AKIRA KUROSAWA - Entrevista
Akira Kurosawa foi o cineasta japonês mais popular no Ocidente.
Uma das últimas entrevistas de Akira Kurosawa (1919 - 1998).
A entrevista original (em inglês) contém muitas observações do entrevistador Maani Petgar a respeito de filmes e das reações de Kurosawa durante a entrevista que podem ser bastante ilustrativas. Clique abaixo para ler.
Cinephilia & Beyond
Maani Petgar e Akira Kurosawa.
- Sr. Kurosawa, eu estava pensando em como você foi apresentado ao Cinema Iraniano.
- O primeiro filme que vi foi um filme de Kiarostami. Durante o regime do Xá, fui convidado para ser jurado do Festival de Filmes de Teerã, do qual declinei pois era uma responsabilidade muito grande. Depois da Revolução, eu vi o filme do Sr. Kiarostami (Onde Fica a Casa do meu Amigo?) e fiquei bastante impressionado em como era bem feito.
A tela é como uma grande praça onde todos podem se juntar e conversar entre si. Por exemplo, eu trago para minha tela os problemas de meu país e Kiarostami os do dele. Os atores dão voz as nossas palavras, tocam o coração das pessoas e esse é o papel do cinema, falar um com o outro. E essa é a responsabilidade do seu cinema.
Um filme deve ser feito com o coração, não com a mente. Eu penso que os jovens cineastas de hoje esqueceram isso e hoje fazem filmes através de cálculos. É por isso que não existe mais público para filmes japoneses. Como toda a sinceridade, filmes tem que ser feitos apontados para seus corações. Na época de Ozu, meu mentor, e também na minha época, nenhum cineasta fez filmes baseados em teorias e cálculos, e foi graças a isso que o cinema do Japão foi capaz de moldar seu anos dourados. Jovens cineastas usam técnicas para humilhar seu público. Está errado. Nós devemos servir ao Cinema e fazer um filme que estimule a plateia. No fim das contas, o objetivo deveria ser fazer um filme artístico. Simples, não é?
- Em seus filmes mais antigos, existe sempre uma preocupação sobre as situações humanas. Qual a raiz disso?
- Quando se fala de humanidade no Japão, todos pensam em histórias e personagens complexos. No entanto, o que quer que um ser humano comum sinta, nós tentamos projetar na tela de forma honesta. É isso.
Filmes como Yojimbo foram adaptados para gêneros como o western e filmes de gângsters.
- Você era interessado em Cinema Americano...
- Em relação ao Cinema Americano, eu diria que filmes melhores foram feitos no passado. Hoje o Cinema Americano faz um desserviço ao público. Violência e acidentes de carro são frequentes. Que prazer existe em assistir essas cenas? Filmes americanos antigos expressavam bem problemas humanos, mas hoje em dia o Cinema Americano tem problemas. Não há dúvida de que um filme como Parque dos Dinossauros é interessante, mas costumava existir filmes mais impressionantes no passado. Em contrates, filmes como os de Kiarostami, emocionam e são muito bonitos. Esses novos filmes de ação e ficção científica são bons, mas não são Cinema.
- Em comparação ao cinema como entretenimento, como você acha que o cinema artístico do Terceiro Mundo pode atrair um público ocidental?
- A civilização envenenou a humanidade. A espinha dorsal de um bom filme é o caráter humano do diretor. Se não formos honestos conosco, jamais seremos capazes de realizar bons filmes. Na verdade, isso não significa que se uma país está bem, ele é necessariamente capaz de fazer bons filmes. Uma pessoa que seja capaz de fazer bons filmes, sabe como encontrar o caminho para emocionar o espectador; assim como John Ford, Jean Renoir, Joh Houston, Federico Fellini, Angelopoulos, Sidney Lumet... Eu me encontrei e conversei com cada um deles. Assim como eles tinham obras excepcionais, eles também tinham distinção no caráter. Foi muito fácil estabelecer uma relação cordial com eles, o que é muito importante. As pessoas que eles apresentam nas telas em seus filmes não são personagens pré-determinados (moldados). Elas expressam problemas humanos de uma forma natural. Por isso seus filmes são fascinantes. Sidney Lumet é um amigo próximo, e sempre que sentamos para conversar, nunca falamos sobre cinema. Geralmente discutimos assuntos banais, problemas sociais ou nossos passatempos, e nos divertimos com isso. Jornalistas sempre me perguntam qual o conteúdo de meu filme e eu lhes respondo que isso não existe. Eu falo sobre coisas comuns. Um filme não deveria ser uma palestra.
A Fortaleza Escondida inspirou George Lucas a usar os dróides como um dos pontos de vista da saga.
- Você falou algo sobre humanidade no Japão. Poderia, por favor, elaborar sobre isso?
- Eu posso também falar de política, mas eu tenho uma tendência de falar mais sobre pessoas. Por exemplo, tais e tais tipos de humanos costumam existir no passado mas agora não existem mais. A sociedade se torna cada vez mais corrupta. No passado, não tínhamos abundância ou qualquer tipo de conforto, mas o homem vivia em de forma natural. Hoje em dia tem sempre notícias sobre violência e mortes nos jornais e na TV japonesa. Quando eu era jovem, assassinatos eram raros, e se algum era cometido, isso causava muita comoção. Ouvi dizer que é muito pior na América. No passado, as pessoas eram mais decentes.
- O que você pensa que é a razão para isso?
- No Japão a sociedade progrediu através de um crescimento rápido, que foi um processo antinatural. A rotina diária perdeu seu curso natural. Para viver, tornou-se necessário trabalhar para além de suas habilidades pessoais. É por isso que aumentou a instabilidade entre as pessoas.
Trono de Sangue.
Macbeth de Shakespeare transportado para o Japão feudal.
- E no meio disso tudo, qual seria a responsabilidade do cineasta?
- Nos últimos tempos há cada vez menos filmes agradáveis sendo feitos. Filmes da Yakuza (Máfia japonesa) ou filmes americanos violentos similares tem se tronado estranhamente atrativos, o que é uma tendência perigosa, principalmente porque ele tem um efeito negativo nas crianças. Fiquei sabendo há pouco que um jovem britânico cometeu um crime horrível. Uma vez que a violência se torne um ato comum, ela distorce as mentes e o raciocínio das crianças.
- Me parece que você despreza violência...
- Sim. O principal problema hoje é a forma como ensinam e educam, o que causa o surgimento de tais tendências. No Japão atual, o sistema educacional se tornou uma fonte de renda. Eu não permito que meu neto vá para a escola. É complicado achar um professor responsável nas escolas hoje em dia. Costumavam existir ótimos professores no nosso sistema escolar. Como a história sugere em Madadayo, os estudantes aprendem mais com a conduta do professor do que com o que lhes é ensinado. Mesmo depois de formados, eles continuam fiéis e devotados àquele professor. Uma das matérias da escola era Psicologia e Filosofia, um debate sobre o que um ser humano deveria ser, e isso não faz mais parte do currículo. Antes da guerra, Lógica era ensinada visando o exército, mas depois da guerra Lógica foi proibida. O problema estava na forma como era ensinada (focando no militarismo), não na pessoa em si. Esse foi um grande erro. No passado as escolas tinham grandes pretensões na educação dos estudantes, hoje é o oposto. É muito difícil entrar na faculdade no Japão atual, mas basta entrar que as pessoas se graduam em alguns anos sem um bom treinamento ou formação. Por outro lado, no Ocidente, já não é tão complicado entrar na faculdade, mas ao invés disso, matérias científicas são ensinadas com critério e se a pessoa não consegue passar nas provas, a pessoa não se forma. Em termos de sistema educacional, o Japão pegou a estrada errada. Cobramos constantemente as autoridades sobre essa política equivocada. É muito ruim que o número de jovens ignorantes esteja crescendo.
Madadayo.
Kurosawa tem uma visão saudosista e aparentemente um pouco ingênua do passado recente.
- Você fez filmes sobre a bomba atômica. Você acredita que com a queda da Rússia, diminuiu de alguma forma o perigo da utilização de armas nucleares? Pretende fazer outros filmes com esse tema?
- O meu primeiro filme sobre a bomba atômica foi chamado Anatomia do Medo e o outro Rapsódia em Agosto. Um segmento do filme Sonhos de Akira Kurosawa foi devotado a esse tópico. A preocupação sobre a bomba atômica é muito importante. Por exemplo, devido a escassez energética, usamos energia nuclear, mas não sabemos exatamente como nos livrar do lixo nuclear. Posso antever os perigos que teremos que encarar. Se realmente existe escassez de energia, temos que tentar economizá-la. Em Tóquio se usa eletricidade como se não houvesse amanhã. Isso não é necessário. Seria melhor se pudéssemos usar o conhecimento dos engenheiros nucleares para criar energia com vento e recursos naturais. Eu acredito que o depósito de lixo nuclear é um assunto muito importante.
- E como essas preocupações se refletem no seu próximo filme?
- É uma história simples sobre pessoas e seus problemas psicológicos. A compaixão precisa ser levada mais a sério. Antigamente as pessoas pensavam mais nos outros do que em si mesmas. Olhando retrospectivamente, percebemos que benção isso era, embora fosse um instinto natural. Se eu conseguir colocar isso na tela, tenho certeza de que será eficaz. No passado, as relações entre vizinhos eram calorosas e sinceras, enquanto que hoje ninguém sabe o que o vizinho do lado faz e ninguém se importa. Meu vizinho é um padeiro e tem uma padaria aqui perto. Ele vive me trazendo pão novo. Eu ainda acho que essas amizades são importantes.
Sonhos de Akira Kurosawa.
Diversos curtas baseados nos sonhos do mestre com produção da versão internacional a cargo de Steven Spielberg, um de seus grandes admiradores.
- Paraíso foi apresentado de forma gloriosa no final de Sonhos de Akira Kurosawa. Você poderia aprofundar mais no que você pensou sobre as qualidades daquele paraíso?
- Fizemos muitas buscas por uma locação apropriada para aquela cena. As margens de muitos rios japoneses foram cimentadas recentemente. Foi bastante difícil. No fim das contas, algumas das tomadas foram feitas por volta aqui da minha casa. Nós construímos os moinhos e alguns deles ainda estão lá.
- Que tipo de experiência você teve com co-produções com outros países e grandes orçamentos?
- Eu recebi uma oferta da Rússia. Eu tinha lido Dersu Uzala e sugeri produzi-lo. Eles acharam uma ótima ideia. Me perguntaram como conheci o livro. Lhes disse que o havia lido antes mesmo de entrar para o mundo do cinema. As pessoas descritas nessa história tem almas belas. Depois da filmagem, percebi que tinham exposto estátuas de dois dos personagens principais numa das cidades da Sibéria. Na época achei que teríamos problemas com a língua. No entanto, o ator principal não sabia falar russo muito bem e estava no mesmo barco que eu. Então conseguimos nos comunicar bem. Mas aconteceu algo engraçado certo dia: O ator que fazia o papel da capitão estava dando sua fala quando eu disse "Corta." Ele correu na minha direção e disse "Você entende minha língua? Eu acabei de erra o texto, mas foi um erro tão pequeno que eu não acredito que alguém de fora vá descobrir." Eu respondi "Eu não entendi o que você disse, mas eu senti uma insegurança quando você deu sua fala."
Dersu Uzala.
O confronto entre a vida simples e a modernidade.
- Pode nos dar mais detalhes sobre seu novo filme?
- Eu queria começar a filmar neste verão, mas a triz principal ficou grávida e foi para casa. Agora temos que esperar ela. Eu não havia falado sobre isso antes. Eu pedi para ela não engravidar, mas aparentemente meu pedido chegou tarde demais. Ela até mesmo pensou em abortar, mas eu disse para ela nem cogitar isso e que tivesse um bebê saudável. Eu lhe disse que adiaria o filme e esperaria por ela.
(Nota: o filme nunca foi feito.)
- O que você pensa de Tarkovsky, como amigo e cineasta.
- Ele era um bom homem. Ele era tão querido como um irmão menor. Eu estava preocupado com ele porque ele estava tão frágil. Fiquei bastante perturbado com sua morte.
Andrei Tarkovsky (1932 - 1986)
Assim como Kurosawa, o cineasta russo conseguiu conquistar uma grande audiência cinéfila no Ocidente.
- Seu senso de humor deve ter feito a vida mais tolerável para você, enquanto que a amargura de Tarkovsky talvez tenha sido um pouco excessiva...
- Ele estava extremamente fraco, sensível e doente. Antigamente meus amigos cineastas e associados passavam aqui sem avisar. Nós sentávamos para beber e conversar. Mas nos último anos, eles não aparecem nem quando os convido.
Tradução: Jerri Dias
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