A VIDA INVISÍVEL (Brasil, 2019) - Crítica
Sobre a tristeza de nascer mulher no Brasil
Em
determinada cena de A Vida Invisível, a proprietária de um cortiço pergunta
para a inquilina o gênero do bebê que acabou de nascer. Ela responde “menino” e
a mulher comenta: “Esse teve sorte.”
Esse breve
diálogo resume a temática principal do sétimo longa de ficção De Karim Aïnouz, consagrado
diretor de Madame Satã (2002) e Praia do Futuro (2014). Baseado na obra A Vida
Invisível de Eurídice Gusmão, de Marta Batalha, o título foi abreviado para
melhor fazer justiça a história das duas protagonistas, Eurídice (Carol Duarte)
e sua irmã mais nova, Guida (Julia Stockler).
Amigas e cúmplices na vida, as
duas irmãs já são quase adultas no Rio de Janeiro de 1951, quando a mais nova
se apaixona por um marinheiro grego e foge para a Grécia para viver um grande
amor.
Fica a mais velha, Eurídice, que os pais logo arranjam de casar com
Antenor (Gregório Duvivier). Eurídice não é passional como a irmã e tem sua
vida planejada: não vai ter filhos tão cedo porque pretende estudar música em
Viena para se tornar uma grande pianista clássica.
Guida e Eurídice, um amor e uma sororidade que o patriarcado não suporta.
Mas esses
sãos os anos 50, e se motivos econômicos não são empecilho para a realização
dos sonhos das protagonistas, a sociedade machista e patriarcal é. Ao longo do
filme, tratado por Aïnouz como um melodrama tropical com tons muito realistas,
Eurídice e Guida descobrirão, como a proprietária do cortiço, que ser mulher na
sociedade brasileira de então é não ser dona de seu destino, é não ter voz, é
ser, como já diz o título, invisível. E em muitos bolsões sociais e religiosos
de hoje, a situação pouco mudou para dezenas de milhões de brasileiras.
A direção
de arte, enriquecida por uma fotografia sóbria e granulada, dá ao Rio de
Janeiro da época um tom esmaecido, quase claustrofóbico, nada solar. A única
cena de praia é na cena de abertura, momento em que se anuncia uma tempestade,
prenúncio das pequenas tragédias pessoais que irão se abater sobre as duas
irmãs.
Como já era esperado, Duvivier mantém a tradição de que todo bom comediante, também é um bom ator dramático.
As duas
atrizes principais, Stockler e Duarte, exibem uma jovialidade e entusiasmo inicial
que vai se transformando aos poucos em dureza, tristeza e desamparo.
Perfomances fascinantes que por si só já justificam sua ida ao cinema. E quando
saem essas duas futuras grandes atrizes de cena, entra Fernanda Montenegro, que
com seu olhar e sua arte forjada em décadas de dedicação ao teatro e ao cinema,
faz cair as defesas emocionais de qualquer espectador. Não é a toa que uma figura
patética e invejosa como Ricardo Alvim, o novo Secretário da Cultura do governo
Bolsonaro, a chamou de sórdida por protestar contra a "guerra cultural" que Alvim promove contra os artistas brasileiros. Ele sabe que um único dedo dela tem mais
talento e reconhecimento do que ele jamais terá em toda sua vida.
Como em Central do Brasil, a personagem de Montenegro tem sua vida mudada pelas cartas.
Já sobre a
indicação para o Oscar ao invés de Bacurau, dadas as escolhas anteriores dos
indicados, o filme não tem muitas chances, mas espera-se que a academia olhe
com bons olhos uma possível indicação de Montenegro como atriz coadjuvante.
Sendo o Oscar uma premiação mais política do que artística em muitos momentos e
dada a presente conjuntura política atual de ódio e censura ao cinema nacional,
existe alguma chance disso acontecer. Embora pese contra o fato de que, para a
indústria cinematográfica americana, sempre é bom que a produção nacional de
qualquer outro país seja colocada de joelhos. E o governo atual segue
trabalhando firmemente nesse sentido.
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