ASSASSINOS DA LUA DE FLORES (Killers of the Flower Moon, EUA, 2023) - Crítica

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Homem branco bom é homem branco morto


Sinopse

Membros da tribo Osage nos Estados Unidos são assassinados em circunstâncias misteriosas na década de 1920, o que levou a uma grande investigação envolvendo o recém fundado FBI.

O diretor

Martin Scorsese é um 10 maiores diretores americano vivos e uma das coisas que o atrai a fazer seus filmes é tentar entender como funciona a ganância, a sede de poder e a violência na sociedade que abraçou o capitalismo como religião, seja em filmes de época como Gangues de Nova York (2002) ou contemporâneos como O Lobo de Wall Street (2013).  


Scorsese dirige a extraordinária Lily Gladstone, que já é uma das favoritas ao Oscar 2024.
Por conta da pandemia e sem trabalho como atriz, Gladstone estava para se matricular em um curso de analista de dados quando recebeu um aviso do Zoom para uma reunião com Martin Scorsese. DiCaprio conta os detalhes: “Não teve leitura de roteiro. Marty soube por instinto que Lily era a escolha certa. Tinha uma verdade nos olhos dela que ele viu mesmo através do monitor. Nunca soube de Scorsese encontrar alguém e imediatamente após sentir a necessidade de dizer: “Não vamos perder nem mais um minuto procurando.”

O filme

“É mais fácil condenar um branco por chutar um cachorro do que por matar um índio.” 

Essa frase falada por um dos personagens do filme é a síntese do que foi o sistema judicial americano até poucas décadas atrás em relação aos povos indígenas norte-americanos. Aqui no Brasil, a depender de certos lugares e juízes, essa frase continua verdadeira.

Martin Scorsese tem 80 anos e continua dirigindo filmes com a mesma paixão e talento de quando tinha 30 anos, lá nos anos 1970. Assassinos da Lua de Flores acaba de entrar, por conta disso, para minha lista dos 5 melhores filmes do diretor, junto com Taxi Driver (1976), O Rei da Comédia (1982), A Última Tentação de Cristo (1988)  e Os Bons Companheiros (1990).  Não é a toa que, após a exibição em Cannes, Edgar Wright (Scott Pilgrim Contra o Mundo) disse que esse era o melhor Scorsese desse século e Afonso Cuarón (Gravidade) o aclamou como obra-prima.


Um dos casais mais interessantes da tela grande nos últimos anos, a relação tão amorosa quanto destrutiva deixa o espectador dividido e apreensivo.
Na vida real, a verdadeira Mollie tinha 10 anos a mais do que seu marido, Ernest.
Já para os padrões machistas de Hollywood, a atriz, óbviamente, é 12 anos mais nova do que DiCaprio.
De qualquer forma, só mesmo em filme para DiCaprio se interessar por uma mulher madura de 35 anos. 

A exemplo de Sangue Negro (2007) de Paul Thomas Anderson, outro grande filme sobre a corrupta corrida do petróleo no oeste americano, Scorsese resolveu colocar seu olhar sobre o capitalismo assassino do homem branco que acometeu a terra da nação Osage, que teve a sorte e a tragédia de encontrar petróleo sob seu solo. Um fato bastante desconhecido da maioria de nós é, que há 100 anos atrás, uma pequena tribo de indígenas era mais rica que a maioria dos americanos. O livro Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, morte e a origem do FBI, de David Grann, deve explicar bem essas questões financeiras e políticas, mas mesmo com a riqueza, os indígenas eram considerados “incompetentes” enquanto cidadãos e eram tutelados pelo estado e por advogados. 

Mas como a sociedade branca racista se ressentia dessa riqueza toda, muitos deles se achavam no direito de tirar dos Osage suas terras e concessões. E uma das maneiras era casando com as indígenas que detinham essas concessões e tendo filhos com elas para em seguida cometer atos inomináveis. O roteiro de Eric Roth (Duna) e Scorsese trabalha dentro do gênero policial/crime/western, mas não de mistério. Porque desde os primeiros minutos já sabemos quem são os criminosos e ao longo do filme acompanhamos os diversos métodos que os ricos usam para ficar ainda mais ricos. E pasmem, não é trabalhando duro enquanto os outros dormem e se divertem. Como disse Scorsese: “Não é um filme sobre quem é o culpado. É sobre quem é que não é culpado.”


Robert De Niro apresentou Leonardo DiCaprio para Scorsese depois de trabalhar com ele no bom e pouco visto O Despertar de um Homem (1993) e ter ficado impressionado com seu talento. Scorsese lembrou disso anos depois quando estava escalando o elenco para o ótimo Gangues de Nova York (2002) e assim começou sua longa parceria com DiCaprio.

Como em muitos de seus filmes, Scorsese tenta nos fazer ver a vida e a sociedade através dos criminosos, da escória. Mas como em A Época da Inocência (1993), as atitudes mafiosas e criminosas não vem de pessoas pobres e sem recursos que querem ter uma vida boa e recorrem ao crime para isso, mas de magnatas do petróleo, grandes latifundiários e maçons, gente branca e de bem que já tem tudo. Mas nunca é o suficiente. 

Quando chamou Leonardo DiCaprio para mais uma colaboração, o ator disse a Scorsese que não tinha interesse em fazer o papel de “salvador branco” no filme. Scorsese provavelmente lhe disse que não se preocupasse, pois os únicos brancos mais ou menos decentes do filme só apareceriam no final. E assim Robert De Niro e DiCaprio protagonizam tio e sobrinho com pouca ou nenhuma restrição moral quanto a fazer qualquer coisa para atingir seus objetivos. DiCaprio, em termos de complexidade, teve a sorte de ganhar um personagem ambíguo a ponto de nos deixar em dúvida permanente se, entre tantos atos abomináveis, fará a coisa certa em algum ponto de sua jornada. Mas não necessariamente por redenção. Já De Niro volta a ser ameaçador sob uma máscara de simpatia, como só ele sabe fazer. Eu fico feliz que ele esteja conseguindo fazer bons filmes nos últimos anos, pois na década de 2000 ele fez filmes tão pouco relevantes que achei que estava enterrando a carreira. 


Famílias inteiras assassinadas pela ganância justificada pelo racismo, pela religião, pelo machismo e pela misoginia.
Esse foi o primeiro caso do FBI criado por J. Edgar Hoover, curiosamente interpretado por DiCaprio em J. Edgar (2011), de Clint Eastwood.

Esses dias assisti um documentário bem humorado intitulado “Quem está matando o Cinema?” Um dos culpados seria a Marvel, DC e todas as franquias que giram ao redor, ao tomarem milhares de salas de assalto por vários meses ao ano com vários blockbusters de qualidade duvidosa com pouca originalidade e exclusivamente voltados para adolescentes entre 12 e 16 anos. Bem, Scorsese andou dizendo que esses filmes não eram cinema. Embora ela saiba muito bem que são também, cinema, ele se referia principalmente a estética episódica de série de TV e a pouca liberdade criativa dos diretores na maioria deles, em especial na Marvel, que possui um showrunner como Kevin Feige comandando tudo. O outro culpado, seriam as plataformas de streaming como Netflix. No entanto, apesar da Netflix ter um catálogo com centenas de filmes ruins, tanto ela como a Apple TV+ produziram, respectivamente, O Irlandês (2019) e Assassinos da Lua de Flores, dois épicos de quase 4 horas que Scorsese teria extrema dificuldade de convencer os estúdios a bancarem. As plataformas de streaming até podem preferir que as pessoas fiquem em casa ao invés de ir ao cinema, mas para isso elas tem que trazer os grandes diretores que sabem fazer cinema com C maiúsculo para fazer audiência e conseguir mais assinantes. Então, enquanto tivermos Scorsese e muitos outros cineastas mais jovens que ele com paixão e talento para contar grandes histórias e construir personagens humanos e contraditórios, o Cinema não será assassinado por executivos que acham que a audiência só quer franquias cheias de supers e robôs. Barbie e Oppenheimer mostraram no meio do ano que não é bem assim.       

Para finalizar, queria dizer que quando o filme começou, lembrei que grande parte do público brasileiro que irá assistir esse filme, provavelmente já viu (ou verá) muitos outros filmes com nativos norte-americanos e que os cinéfilos mais entusiastas provavelmente sabem 10 vezes mais sobre a histórias dos bravos povos navajos, apaches e crows do que sobre as diversas nações que viveram ou vivem aqui no Brasil. Esse é o poder do cinema de ficção e de gênero. Embora tenhamos muitos documentários, espero que um dia esse poder de criar mitos seja usado pelos nossos cineastas para contar tanto as grandes histórias de nossos povos originários quanto as injustiças cruéis a que foram submetidos nos últimos 500 anos.



BÔNUS





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