NEIL GAIMAN - Entrevista

 O Senhor das Palavras.

Neil Gaiman é um cara que dispensa apresentações para quem curte quadrinhos maduros e literatura fantástica.

Então, para vocês, fãs de Gaiman que querem conhecer ele um pouco melhor e saber o que ele pensa sobre literatura, quadrinhos e outros assuntos, selecionei perguntas de entrevistas diferentes (para não ter problemas com direitos autorais) e após cada resposta eu linkei o original onde quem lê inglês pode ler a entrevista completa.

Com a palavra, Neil Gaiman:

O que você gostava de ler quando era criança?

Qualquer coisa. Eu era um leitor. Meus pais costumavam me revistar antes de reuniões de família. Antes de casamentos, velórios, bar mitzvahs e o que fosse. Porque se não o fizessem, o livro estaria escondido dentro de um bolso ou outro lugar e assim que eu tivesse a oportunidade eu acharia um canto para ler o livro. Era assim que eu era... era isso o que eu fazia. Eu era o menino com o livro. Agora, tendo dito isso, minha tendência era gravitar ao redor de qualquer coisa fantástica, fosse Ficção Científica, fosse Fantasia, fosse Horror, fossem histórias de fantasmas ou qualquer coisa dentro desse território. Mas eu era, definitivamente, o tipo de criança que lia de tudo. O legal de estudar em uma escola na Inglaterra naquela época é que as escolas eram realmente muito velhas. E elas sendo bem velhas isso significava bibliotecas construídas nos anos 1920. Aquela foi a última época em que saíam em expedições de compras de grandes livros. E mais algumas surgiram nos anos 1930. Eu tive a oportunidade de ler esses autores quase esquecidos. Eu sentava e devorava as obras completas de Edgar Wallace ou G.K Chesterton. Na verdade, eu me lembro de ver pela primeira vez os dois primeiros volumes de O Senhor do Anéis em dois capas dura bem detonados. A Irmandade Do Anel e As Duas Torres. Era o que tinha na biblioteca, e eu os li e reli várias vezes, imaginando como aquilo acabaria. E quando eu tinha doze anos eu ganhei o prêmio de Inglês da escola e eles disseram: “O que você gostaria de ganhar como prêmio? Você ganha um livro.” Eu disse: “Por favor, posso ganhar o Retorno do Rei para saber o que acontece?” 

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Os Pérpetuos no tradicional almoço de domingo. ;-)


Sobre criar uma família disfuncional para Sandman e seus irmãos (conhecidos como Perpétuos).

Muito disso se deve a quando eu comecei a escrever Sandman. Foi em 1987 que eu comecei. Eu estava pensando que não existiam quadrinhos por aí com famílias – e eu amo a dinâmica familiar. Eu adoro a forma como as famílias funcionam ou não funcionam, adoro como se comportam, adoro como elas interagem e isso me pareceu que seria algo muito divertido para colocar na obra.

Quando eu vim para a América para sessões de autógrafos, as pessoas me diziam: “Nós adoramos os Perpétuos; nós adoramos Sandman e sua família, eles são uma família disfuncional maravilhosa.”
Não era uma expressão que eu não tivesse escutado antes, mas eu perguntei: “Um momento, me explique, o que é uma família disfuncional?” E as pessoas me explicariam, e depois de algum tempo eu me dei conta de que o que os americanos chamam de “família disfuncional” é o que na Inglaterra nós chamamos “família”. Eu nunca topei com uma dessas famílias funcionais.

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Dizem que a inveja é um pecado mortal...

Descreva um dia de trabalho. Como você escreve?

Se estou escrevendo um livro, eu provavalmente acordo pela manhã, confiro e-mails, talvez meu blog, resolvo emergências e então me dedico a escrever das 13:00h às 18:00h. E vou escrever longe, a uma distância segura do computador. Se eu não estiver escrevendo um livro, não tenho programação, e roteiros e introduções e o que for podem ser escritos a qualquer hora e em qualquer coisa.

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Página do livro de scketches de Neil Gaiman.


Em Credo (Em que eu acredito), que abre a primeira seção do livro, você escreve: “Eu acredito que eu tenho o direito de pensar e falar coisas erradas.” Você acha que na sociedade de hoje – particulamente por causa das redes sociais e do ciclo de notícias 24 horas – que não deixamos as pessoas estarem erradas o suficiente?

O que eu tenho a tendência de ver acontecendo é mais e mais pessoas se refugiando em suas bolhas. As pessoas estão assustadas de fazerem a coisa errada ou de serem xingadas e por isso formam vilarejos onde todos concordam uns com os outros e então eles podem ir até o outro vilarejo e atacar as outras pessoas que moram lá apenas pela diversão, mas não existe qualquer intercâmbio de ideias.
Eu acho que temos que encorajar a ideia de que nos é permitido pensar coisas. Eu pensei muitas coisas idiotas ao longo dos anos, e eu posso te dizer que não existe nada idiota demais que eu tenha pensado que alguém tenha me feito mudar de ideia porque me xingou ou me ameaçou de morte. Por outro lado, ter ótimas conversas com bons amigos, provavelmente bebendo, definitivamente mudou minha linha de raciocínio e me fez pensar que poderia melhorar. Nos é permitido melhorar, mas nós temos que deixar que as pessoas melhorem. 

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Gaiman no set da série Deuses Americanos.


Parece que você está, lentamente, se tornando um escritor de prosa. Você tem planos de voltar aos quadrinhos?

Bem, não estou escrevendo muito quadrinhos nesse momento. Suponho que eu me tornei bom escrevendo quadrinhos. Eu aprendi minha arte. Por 8 ou 9 anos eu fui realmente um roteirista de quadrinhos. E eu fiquei muito bom nisso. Por outro lado, quando estava escrevendo Sandman, tinha outras coisas que eu queria fazer, a maioria das quais eu não podia naquela época. Bons Augúrios, que eu co-escrevi com Terry Pratchett, foi escrito em 1989, quando eu levava duas semanas para escrever uma edição de Sandman. Então eu tinha bastante tempo livre, certo? E eu queria escrever mais prosa – eu queria fazer televisão e cinema e eu queria escrever uma peça – mas eu não tinha tempo sobrando. A maior parte do que venho fazendo desde que finalizei Sandman são coisa que eu não podia naquela época, como colocar Neverwhere como uma séria na BBC, o que eu aprendi muito, ou meu episódio de Babylon 5, que me mostrou que eu poderia conseguir de verdade fazer algo parecido com o que eu gostaria de ver na TV. E essas são coisas que eu ainda não sou – pelo menos na minha opinião – muito bom em escrever. Eu ainda não escrevi um livro que eu ficasse completamente satisfeito. Stardust foi o mais próximo que eu cheguei disso. Eu estava muito mais satisfeito com ele do que com Neverwhere, como qual eu não estava super feliz. Foi um bom começo. Eu espero que no próximo, eu acerte a mão. Eu quero fazer outra série de TV agora, porque acho que aprendi o suficiente para fazer uma com a qual fique contente. Fazer um filme. Foi bom fazer o roteiro da Princesa Mononoke. É muito diferente de escrever quadrinhos. São mídias diferentes, quadrinhos sendo uma coleção de imagens estáticas, eu acho, tem muito mais em como com a prosa do que com um filme. Criam-se efeitos muito mais próximos da prosa. Com filmes, a coisa está se movendo o tempo todo. Personagens  estaco fazendo coisas o tempo todo, falando de verdade. Você tem que ser menos obsessivo com sua criança. Você não pode ter algo que você acha que é perfeito, absolutamente o que você quer: você tem que saber que não, é apenas um diagrama. Eu apenas quero criar coisas, na verdade. Toda a minha vida, eu achei que estava escapando de algo porque eu estava inventando coisas e descrevendo elas no papel. E que um dia alguém bateria na porta, e um homem com um prancheta estaria na soleira e diria: “Aqui diz que você apenas andou inventando coisas por todos esses anos. Agora está na hora de sair daí e ir trabalhando no banco.”
Porque minha avó ou quem quer que fosse sempre me avisava, como eles avisam as crianças: “Não invente coisas! Você sabe o que acontece com meninos que inventam coisas!” Mas eles nunca te contam o que acontece. Mas o que posso dizer até agora, que o que aconteceu envolveu poder ficar muito em casa, algumas viagens internacionais, ficar em hotéis bacanas e conhecer muita gente legal que quer que você autografe coisas para elas. É isso.     

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A biblioteca particular de Neil Gaiman.


Nuno, membro do Goodreads (site equivalente ao Skoob) pergunta: “Como fã de FC e Fantasia, eu sou frequentemente confrontado por pessoas que desprezam esses gêneros como sendo escapismo – e nada mais. Mas eu sempre gostei que Ursula K. Le Guin disse que o propósito da FC é ‘descrever a realidade, o mundo atual.’ Qual, você diria, é o propósito da Fantasia e FC?”

Eu acho que o propósito é nos mostrar o mundo em que vivemos em... sobre um ângulo levemente diferente. Em um no qual nunca o vimos antes. A grande coisa de ver algo familiar sob um ângulo levemente diferente é que você pode vê-la novamente pela primeira vez. Você pode vê-las sem todas as pré-concepções que você construiu.Se você acha que pessoas e coisas são de um jeito, a melhor coisa da FC e da Fantasia é que elas podem te passar a mensagem fundamental de que as coisas não precisam ser assim. As coisas podem ser diferentes. E isso é incrivelmente libertador.

As pessoas dizem que são coisas escapistas, mas também tem as coisas boas. Mas você não decide o que é escapista e o que é bom. E ficção que te permite escapar é sempre maravilhosa.

Um dia desses eu escutei uma entrevista na rádio BBC sobre um homem que havia aprendido a ler direito na prisão. E ele estava falando sobre o fato de que a melhor coisa sobre ler era que ele não precisava estar na prisão enquanto lia. Sim, ele estava na prisão, mas lá tinha livros. E agora que ele os podia ler, ele podia estar na Jamaica, ir para a América e passar por essas aventuras e até viajar no tempo. E eu pensei, ele está dizendo algo muito verdadeiro. Não é escapismo – é escapar. E quando você escapa, não é apenas uma escapada. Porque você voltará, e você estará diferente. Você estará armado com ferramentas, armas e conhecimento. E coisas que você não sabia antes.  

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