MIDSOMMAR: O MAL NÃO ESPERA A NOITE - Crítica



A confirmação de um novo mestre do horror

Midsommar tem um prólogo de 5 minutos. Nesse pequeno espaço de tempo, o diretor Ari Aster conseguiu me causar estranhamento, arrepio e choro. É, eu empatizo demais com os personagens quando os atores são bons e o diretor sabe o que está fazendo.

Em Hereditário, a impressionante estreia de Aster em longa metragem, ele mostrava a desintegração de uma família através da descoberta de uma herança familiar maldita e inescapável. Em Midsommar ele já começa com uma família desintegrada e a partir daí, parte para a desintegração de um casal.


    Dani, Christian (camiseta roxa) e colegas são os representantes de cultura ocidental cristã que irão sofrer um grande choque cultural. E outros choques também.
  

Dani (a ótima Florence Pugh) e Christian (Jack Reynor) são um jovem casal que já estão juntos há mais de um ano, mas a relação entre eles não é das mais felizes. Ela, depressiva e ansiosa, o usa como muleta para suas crises pessoais e familiares e ele, querendo uma vida mais leve e solta, se sente culpado em deixá-la. Entram aí os amigos e colegas de faculdade Josh e Mark, que o incentivam a largá-la e ser feliz transando com outras mulheres.

Mas eis que algo horrível acontece, ele não consegue terminar com ela e ambos se veem presos em um relacionamento cada vez mais infeliz e sem graça. A suposta salvação de Christian vem por um convite de Pelle (Vilhelm Bolgrem), intercambista sueco que convida Christian e seus colegas a irem para sua Hagar, uma comunidade isolada no interior da Suécia.  Na verdade, toda a Suécia do filme foi gravada na Hungria, que é um dos principais sets de filmagem de Hollywood na Europa por conta da mão de obra qualificada e barata. Mas todos os atores com falas em Hagar são suecos.


As belas tradições pagãs e sua inocência diante da natureza.
Brincadeirinha...

Christian e seus amigos, todos estudantes de antropologia, ficam fascinados com a hipótese de estudar in loco tradições pagãs antigas relativas as estações do ano que a comunidade de Pelle ainda pratica, mas para não parecer que está abandonando Dani, Pelle sugere que Christian a convide por educação.  Dani acaba indo e isso causa incômodo entre ele e seus amigos. Nesse ponto o diretor trabalha bem como muitos de nós lidamos com pessoas depressivas: pouca empatia, pouca paciência e um distanciamento que nunca é saudável para a pessoa que sofre de depressão. Em determinado ponto, Dani sonha com seus amigos abandonando-a sozinha na comunidade.

Hagar, a princípio parece muito com uma comunidade hippie com ares de seita, já que todos vestem branco e seguem regras bastante delimitadas em relação a todo tipo de comportamento.  Sem sinal de celular como pede todo filme de horror, rústica, idílica e exótica mas moderna (as crianças assistem Austin Powers e os jovens fazem intercâmbio em faculdade mundo afora), Hagar parece um lindo lugar para passar o verão inteiro.


As belas artes dispostas ao longo da narrativa dão pistas importantes para o espectador. 


Se em Hereditário quase tudo acontecia a noite, em Midsommar, devido ao fenômeno do Sol da Meia-Noite, o sol está quase sempre presente e o filme é sempre muito claro e ensolarado. A fotografia se aproveita disso para criar uma luminosidade que contrasta bastante com as cenas de tensão e horror as quais os estudantes acabam testemunhando e vivendo. Apesar de tudo estar às claras e pouca coisa ser mantida longe dos olhos dos visitantes, a incapacidade da maioria deles em sair do local revela quase uma espécie de Síndrome de Estocolmo (aquela na qual o sequestrado desenvolvem uma relação de troca com o sequestrador), pois todos estão tão seduzidos com o funcionamento daquele lugar onde tudo parece ser sincero e amoroso apesar do choque cultural.

Aliás, Christian quer dizer cristão em inglês. Uma boa sacada do roteirista (o próprio diretor), pois boa parte do conflito narrativo se dá entre o choque da cultura ocidental cristã da qual os estudantes vieram (assim como a maioria dos espectadores) com o paganismo primitivo de Hagar. 


    O ponto de ruptura da personagem com sua vida.


Com uma  direção segura, uma câmera solta que produz enquadramentos excelentes e interage com os atores utilizando muita câmera subjetiva (quando a câmera faz o ponto de vista do personagem), Aster está se revelando um verdadeiro autor em um campo repleto de clichês e apelo comercial barato.  Não sei se ele pretende continuar no gênero horror, mas seria ótimo ver o que ele tem a dizer sobre vampiros e outras criaturas sobrenaturais.

Prepare-se para uma longa e torturante (no bom sentido) sessão de horror como pouco se viu nos últimos anos. O filme tem 146 minutos e em breve será lançada uma versão do diretor com 171 minutos que eu estou ansioso para assistir.

E caso você curta a pegada hippie estilo anos 70 que o diretor imprimiu em Midsommar, recomendo muito o clássico britânico O Homem de Palha, de 1973 (fuja de refilmagem moderna). Dirigido por Robin Hardy, esse horror folclórico originalíssimo certamente inspirou Aster narrativa e esteticamente a realizar essa pequena obra-prima.





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