DUNA (Dune, EUA, 2021) – Crítica
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Villeneuve acerta novamente
Escrito em 1965 por Frank Herbert (1920 – 1986) e considerado umas das 10 maiores obras de ficção científica do século XX, Duna teve mais 5 sequências literárias e anos depois da morte do escritor seu filho, Brian Herbert, resolveu expandir o universo criado pelo pai visionário e em colaboração com o escritor Kevin J., Anderson, já lançou 11 livros. Assim como O Senhor dos Anéis está para o gênero da Fantasia em termos da influência na cultura pop mundial, Duna fez o mesmo para a Ficção Científica. Passada por volta do ano 23.000 E.C., a saga acompanha um momento de nossa história onde exploramos e conquistamos diversos sistemas solares na galáxia e a Terra é só um ponto de partida na expansão da raça humana através do Cosmos. Após a revolta das inteligências artificiais em algum ponto do passado, a humanidade se desfez dos computadores inteligentes demais e agora treina humanos (mentats) para esses papéis e assim poder desenvolver tecnologias assombrosas para os padrões de hoje. Aparentemente a democracia também não deu muito certo e agora temos feudos planetários regidos por famílias de nobres onde as conspirações palacianas alcançam proporções interplanetárias. E coloque em cima disso um plano eugênico elaborado pelas Bene Gesserit, a seita galáctica dominante regida por mulheres, para produzir um ser superior que possa reger sobre o universo conhecido.
Capa de uma das dezenas de edições da obra nos EUA.
Dennis Villeneuve, cujos primeiros filmes mais conhecidos se enquadravam na linha de dramas psicológicos (O Homem Duplicado, 2013) e policiais densos (Sicario: Terra de Ninguém, 2015), parece ter encontrado seu caminho na FC, gênero onde estava fazendo falta um diretor com uma visão madura e coerente, já que Ridley Scott parece ter perdido a mão na franquia Alien desde o risível Prometheus (2012). Bem, Villeneuve revelou que um dos motivos para ter feito dois dos melhores filmes de FC dos últimos anos, A Chegada (2016) e Blade Runner:2049 (2017), foi para poder se familiarizar com o gênero para dirigir Duna, um projeto acalentado por muitos anos.
Villeneuve quer fazer de Duna o Star Wars que ele nunca viu.
Na foto ele dirige Rebecca Fergusson a cena da chegada da família Atreides em Arrakis.
Apesar de ser umas dessas sagas ditas infilmáveis por conta de sua extensão, multiplicidade de personagens e proporções épicas, Duna já foi adaptado duas vezes antes disso. Houve uma tentativa fracassada pelo cineasta Alejandro Jodorowsky nos anos 70, que acabou virando um ótimo documentário: Duna de Jodorowsky (2013). Depois veio o Duna (1985) de David Lynch, que renega o filme por conta do corte final dado pelos produtores, mas que diz que tem partes das quais gosta muito. A maior parte do público e da crítica tem uma reação semelhante a do renomado diretor. Mas mesmo em tratando-se de seu terceiro longa, Lynch já era um gênio em ascenção e em seu Duna estão suas excentricidades estéticas e sua direção que tira performances de seus atores que vão do mais puro blasé ao bizarro mais histriônico. Alguns críticos estão aproveitando o momento para falar mal da adaptação de Lynch, esquecendo que quase toda FC espacial é parecida, a única coisa que diferencia uma da outra é quando existe um diretor visionário por trás e por isso que Kubrick, Lynch, Nolan, Scott (nos bons tempos) e uns poucos outros tem que ser reverenciados por tirar o gênero da mesmice. Já quanto a segunda adaptação, foram feitas duas minisséries para a TV, a primeira em 2000 a segunda em 2003, adaptando o segundo livro da saga: Os Filhos de Duna. Apesar de conseguirem ser mais fieis ao livro por conta do tempo de tela, a direção era incipiente, a direção de arte apenas razoável e os figurinos pavorosos. Essas adaptações televisivas devem ser vista somente por fãs fervorosos. Como eu disse, sem um diretor inteligente por trás, pode ter a duração apropriada, pode ser fiel, mas isso não garante uma boa obra.
Na época de seu lançamento, a versão de David Lynch foi a produção mais cara daquele ano. E o resultado era visível na tela.
E falando em diretores com visão e que sabem o que querem, temos agora o Duna de Villeneuve, já candidato a melhor filme de FC do ano e certamente candidato a vários Oscars técnicos.
Josh Brolin (Vingadores: Ultimato), Oscar Isaac, Timothée Chalamet e Rebecca Fergusson.
Para começar, é importante que o cinéfilo saiba que Villeneuve optou por adaptar o livro em dois filmes. Na contramão do que se tem feito nas últimas décadas, o diretor filmou apenas a primeira metade do filme. A segunda metade vai depender tanto da bilheteria do filme nos cinemas quando da audiência na HBO Max. Com a pirataria comendo solta e a desemprego aumentando no Brasil, a tendência é que o filme não dê o retorno esperado por estas bandas. O que é lamentável, pois Duna realmente precisa da presença dos fãs nas salas de cinema e dos assinantes para ter continuidade. E lembre-se que agora você precisa de seu cartão de vacinação para entrar. Seja um cidadão responsável e vacine-se já!
Fergusson, Zendaya, Javier Bardem e Chalamet rumo à parte 2 de Duna.
E voltando ao futuro Oscar, Duna é umas festa para mentes e olhos cansados de ver a estética de vídeo game, com seus prós e contras, dominar as telas. O cuidado da produção em manter objetos, naves, cenários e figurinos o mais realista possível ajuda em muito na construção desse universo e nota-se a superioridade técnica e estética de Duna em comparação com outros blockbusters, em especial os de super-heróis. O desenho de produção e os figurinos são literalmente de cair o queixo e na verdade, pelo menos os figurinos foram baseados nos do Duna de David Lynch. Devm concorrer fácil ao Oscar.
Já a trilha arrebatadora de Hans Zimmer, que largou um nova colaboração com Christopher Nolan por ser fã da saga de Herbert, dá o tom étnico e fora desse mundo que o filme precisa. E em termos de efeitos sonoros, somente quem for ao cinema ou tiver um bom home theatre em casa vai poder sentir o poder da “Voz” usada pelas Bene Gesserit no filme. Teve pelo menos um momento em que meu corpo inteiro vibrou com a onda sonora vinda das caixas do IMAX, emulando o poder das “Voz” sobre os personagens.
Mas embora o filme de 155 minutos, que nem senti passar, acabe com gostinho de “Cadê o resto? Quero mais!”, Villeneuve acerta em não avançar além, pois assim pode se concentrar em dar um bom ritmo a história sem correr com momentos importantes e em trabalhar os muitos personagens de forma suficiente para nos importássemos com a maioria deles. É claro que o foco fica na família Atreides: Paul (Timothée Chalamet, de Um Dia de Chuva em New York), sua mãe Jessica (Rebecca Fergusson, de Doutor Sono) e seu pai, o Duque Leto (Oscar Isaac, da nova trilogia Star Wars). A relação entre os três tem tempo para que o espectador conheça como funciona a dinâmica entre eles e a importância deles na vida de cada um e na trama. Além, claro das questões políticas nativas da trama, o filme também pode fazer comentários políticos contemporâneos, visto que os Fremen, povo que habita o planeta Arrakis, também conhecido como Duna, é originalmente baseado no povo e na cultura árabe. Com sua terra sendo explorada por conta da especiaria da qual depende o transporte interestelar, e seu povo sendo morto por invasores brancos tecnologicamente superiores, só lhes resta a guerrilha. Como se vê, você pode tirar o Oriente Médio da Terra, mas não tira o Oriente Médio da galáxia.
Apesar do filme funcionar muito bem em tudo, uma questão me incomodou um pouco. Eu já li os seis livros escritos por Herbert nos anos 80 e 90. Na época isso deve ter passado despercebido para a maioria, mas hoje fica cada vez mais evidente notar que essa questão do messias, do predestinado, do escolhido nos livros e filmes, 90% das vezes sempre passa por uma figura masculina, nunca por uma mulher. Mesmo no caso de Duna, quando é uma seita de mulheres tentando gerar um ser superior, a intenção é que seja um macho, não uma mulher. Apesar de toda a inovação e criatividade em criar um universo alienígena para o futuro distante da raça humana, Herbert, como filho do seu tempo, esqueceu das profundas mudanças sociais que a sociedade poderia passar e manteve o patriarcado como a ideologia dominante sobre todas. Um costume bastante comum da geração de escritores de FC do século XX.
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