O ÚLTIMO DUELO (THE LAST DUEL, EUA, 2021) - Crítica



Antes de Jeanne D'Arc, Marguerite de Carrouges

Quando comecei a ler a sinopse do filme, a primeira imagem que me veio a mente foi o filme Os Duelistas (1977), filme de estreia do mesmo Ridley Scott, onde dois soldados de Napoleão, onde, pelo menos um deles nutre uma obsessão homoerótica pelo outro que os leva a duelar por anos. Então, quando o filme começou, as cenas de batalha lembraram Gladiador (1999), também de Scott. E quando o filme passou a tratar de pontos de vista diferentes sobre o crime de estupro, me remeteu a Rashomon (1950), clássico de Akira Kurosawa onde várias pessoas dão seu testemunho sobre um estupro e um assassinato.


Jodie Comer, que vimos recentemente com o gamer/avatar em Free Guy, se revela uma atriz muito mais versátil e talentosa do que o esperado. 


E bebendo da fonte de si mesmo, de Kurosawa e baseando-se no livro de Eric Jager co-roteirizado pela premiada roteirista e cineasta Nicole Holofcener e pela dupla dinâmica Matt Damon e Ben Affleck, Scott recria, com sua sempre apurada estética e requinte visual, um relato real da França medieval do século 14.  Aliás, Damon e Affleck fizeram muito bem ao chamar uma mulher para roteirizar com eles, pois se tivessem sido insensíveis como muitos outros roteiristas por aí, as críticas cairiam como uma saraivada de flechas.


O ótimo trabalho da equipe de maquiagem, cabelo e figurino consegue desfazer boa parte da familiaridade com as feições famosas de Damon e Affleck.


O livro, escrito em torno do último duelo legal entre cavaleiros na França, não é apenas sobre dois amigos tornados inimigos com o passar do tempo, mas baseado em um caso raro de acusação de estupro entre nobres em uma época em que toda mulher era regulamente estuprada por familiares, maridos, padres e soldados e ficava por isso mesmo, salvo vendetas pessoais ou quando estupradores pobres eram pegos no ato. Pois naquela época, a mulher nada mais era que mais propriedade do homem. Ou do pai ou do marido ou do estado. Em alguns lugares do mundo ainda é assim. E também não é preciso ir muito longe nas redes sociais ou até entre parentes, para perceber que muita gente ao redor possui essa mesma mentalidade medieval.


Adam Driver segue sua rápida acenção ao grupo de atores com os quais a maioria dos diretores quer trabalhar.


O filme é apresentado em 3 capítulos: “a verdade segundo Jean de Carrouges” (Matt Damon), seguido de “a verdade segundo Jacques LeGris” (Adam Driver) e finalmente, “a verdade segundo Marguerite de Carrouges” (Jodie Comer) . A simples manutenção do trecho “a verdade” em um dos capítulos não deixa dúvidas de que lado os roteiristas estão.


O duelo final, caprichosamente encenado e coreografado, é catarse como poucos diretores conseguem entregar.


A tentativa de fazer uma releitura da Idade Média através da mentalidade progressista do século XXI faz sentido quando se sabe que uma mulher daquela época ousou enfrentar, da forma que era possível na época, a lei dos homens, feita por homens, para os homens. O filme até irrita e engana o espectador no início, quando apresenta uma certa visão romantizada e moderna demais das relações medievais entre homens e mulheres. E depois do equivocado Robin Hood (2010), confesso que fiquei com medo que ele fosse nessa direção. Felizmente o trio de roteiristas consegue dar o caminho certo para Scott fazer o que faz melhor, dramas épicos com personagens interessantes e fortes que fazem com que o espectador se importe com seus destinos.    

   

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