ELVIS (EUA, 2022) – Crítica
Do privilégio do roqueiro branco
Sinopse
A vida do rei do rock contada do ponto de vista do Coronel Parker, seu mefistofélico empresário viciado em jogos de azar.
O diretor
O australiano Baz Luhrmann faz parte do grupo do seleto grupo de diretores cuja técnica narrativa e estética são facilmente reconhecíveis não só pela crítica como por qualquer cinéfilo atento. Um legítimo autor que se envolve em praticamente todos os aspectos de suas produções, o que explica apenas 6 longas em 30 anos, ele também foi um pioneiro em agregar alta e baixa cultura pop em uma linguagem sonora e cinemática envolvente e divertida.
O filme
Uma das frases mais marcantes do filme é quando o jovem Jimmy Rodgers (Kodi Smit-MacPhee, de O Ataque dos Cães) apresenta ao empresário Coronel Parker (um quase irreconhecível Tom Hanks) e seu pai, o músico Hank Snow (David Wenham, da série Top of the Lake) um disco compacto com uma canção com um ritmo muito diferente do que tocam em seu show. Ao escutarem, ambos comentam que se trata de música de negro e isso não interessa ao show ou seria aceito em qualquer festival de música. E é quando o jovem Jimmy diz que é um homem branco cantando. E a atitude do personagem de Tom Hanks em relação a música muda completamente.
Ovacionado em Cannes, Elvis aposta no discurso político progressista dos tempos que correm. O filme faz questão de mostrar as origens negras da música e da coreografia do rei do rock. Um rei ainda criança, vivendo em comunidades negras extremamente pobres, mas cercado de rythm and blues dos cantores negros de bares e cabarés e do gospel das igrejas das mesmas comunidades. Com isso, Luhrmann pontua bem, que sem essa convivência com a musicalidade e a dança dos negros americanos, não existiria Elvis Presley. E sem Elvis não existiriam dezenas de cantores e bandas de brancos roqueiros que viriam nos anos e décadas seguintes ao seu surgimento.
E o que aconteceu com os músicos negros que cantavam e dançavam como Elvis na mesma época? Eles faziam sua pequena fama nas comunidades negras das diversas cidades onde suas músicas eram tocadas ou podiam fazer turnês. Mas de forma alguma eram aceitos em grandes festivais ou na TV. O diretor mostra Elvis, já um pouco famoso, interagindo um tanto exageradamente com B.B. King e outros grandes nomes que surgiram na época. Embora o Elvis real os respeitasse, não convivia tanto e nem fazia muito pelo movimento negro da época.
Mas ainda assim, o filme trabalha com o fato real de que, por ser influenciado pelo rock negro, ele acabou sofrendo também uma grande perseguição das autoridades e de parte da população racista por cantar e dançar como um “negro”. Na época, em muitas de suas aparições na TV, as câmeras só o enquadravam da cintura para cima para evitar mostrar seu rebolado extremamente sexual para os padrões da época.
O que nos leva a uma das melhores e apoteóticas cenas do filme: a primeira apresentação pública de Elvis diante uma plateia que só havia escutado umas poucas músicas suas. Com um terno rosa, maquiagem nos olhos e um look metrossexual (isso ainda existe?), ele seduz a audiência feminina rapidamente e isso é mostrado com tomadas e cortes ágeis e espertos da reação crescente de impulsos sexuais reprimidos na plateia feminina. Pode-se quase dizer que os EUA branco perdeu a virgindade com Elvis nessa apresentação. Tanto homens quanto mulheres. E que a experiência foi tão boa que ninguém mais conseguia parar a mudança cultural e comportamental que viria após o surgimento do rock entre os brancos. O que nos levou aos anos hippies na década de 60 e 70. Nos anos 80 o conservadorismo mostrou sua cara feia novamente, e que, coincidência ou não, veio logo com a morte de Elvis, em 1977. Mas isso é outra história.
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