GATOS SÃO AMIGOS OU INIMIGOS? - Opinião


Por Bethany Brookshire

Leia o artigo original aqui.

A internet parece construída para que humanos consumam o máximo de conteúdo felino o mais rápido possível. Gatos pulam barreiras de copos de plástico e vestem fantasias fofas. Redes sociais abundam com histórias enternecedoras de pessoas ouvindo choramingos de gatinhos enlameados em arbustos ou dentro de esgotos, seguido da transformação do choroso, triste e magrelo em um pet lindo e brincalhão.

Gatos – sem supervisão e geralmente sem donos, sejam de rua ou totalmente selvagens – podem chegar a matar 4 bilhões de pássaros e 22 bilhões de mamíferos anualmente nos Estados Unidos. Muitos ecologistas e conservacionistas consideram gatos como uma espécie invasiva. Prejudicial. Em reservas naturais e ilhas, populações invasoras de gatos são controladas com o uso de armadilhas, armas de caça e até mesmo pelotas envenenadas implantadas em prováveis presas. Qualquer coisa para matar os matadores.



Todos, do mais fervoroso amante de memes de gatos até o ardoroso conservacionista de vida selvagem, podem concordar – o mundo ficaria melhor com menos gatos selvagens e de rua. Como chegamos aqui, entretanto, revela uma cisão cultural. Em meu livro prestes a ser publicado, Pestes: Como Humanos Criam Animais Vilões, investigo porque alguns animais nos incomodam tanto, enquanto outros nunca, não importa o tipo de dano que causem. Não é uma lista de pestes e seus habitats. Ao invés disso, é uma história sobre pessoas – incluindo os cientistas que estudam os animais que adoramos odiar.

Um dos melhores exemplos das diferenças de como as pessoas veem animais existe na forma do gato doméstico (minha casa, nesse caso, é o templo de dois espécimes muito mimados): Em um estudo de 2020, Kirsten Leong, uma cientista social da Administração Atmosférica e Oceânica Nacional de Honolulu, e Ashley Gramza, uma cientista social conservacionista trabalhando com a Comissão de Caça e Pesca, pesquisaram modelos culturais que as pessoas construíram ao redor de gatos de rua e selvagens. Ela encontraram um divisão entre gestores de vida selvagem e grupos de proteção aos animais. Esses trabalhos, como qualquer outro, tem expectativas culturais que os acompanham: crenças e percepções que dão credibilidade as pessoas em suas profissões. Cientistas, por exemplo, tem crenças culturais sobre temas como a ordem dos autores e quais publicações científicas são mais importantes.  As crenças em geral não são verbalizadas e são aprendidas com o tempo que a pessoa se conserva em uma determinada área. 


Gato selvagem na Austrália.
Foto: Joe Scanlan

Cientistas conservacionistas e gestores de vida selvagem veem seus trabalhos como proteção de espaços naturais e das espécies selvagens que neles habitam. Seu entendimento científico, e o que eles aprenderam a valorizar, ensina como eles enxergam o mundo e os animais que nele vivem. Qualquer animal que ameace a biodiversidade é considerada uma espécie invasora prejudicial: e isso inclui gatos. Nesse quadro conceitual, um gato não-doméstico, seja de rua ou selvagem, é uma peste invasora. E aí entram os grupos de proteção. Os valores culturais que prevalece na comunidade de proteção animal coloca gatos de rua e selvagens como pets abandonados. Esses felinos rebeldes representam uma oportunidade de salvar um animal, além de uma potencial fonte de amor.  

Os dois grupos concordam que gatos de rua e selvagens são um problema. Grupos de proteção animal advogam uma estratégia de captura/castração/domesticação junto com adoção e ajuda para colônias de rua. Conservacionistas e gestores de vida selvagem, por outro lado, podem ver colônias de gatos castrados com pavor, sabendo que esses gatos estão suprindo suas dietas felinas com infelizes aves canoras. Para eles, a solução é a remoção dos gatos, seja via adoção, colocar gatos selvagens em grandes espaços fechados ou eutanásia.



“Muitos ecologistas e conservacionistas consideram gatos como espécies invasoras. Prejudiciais. Pestes.”

Nenhum desses pontos de vista está errado. Mas quando a população de um país, cidade ou bairro discute sobre a denominação de pet ou peste, pode ser difícil assegurar que existem poucos gatos jantando a vida selvagem. Se humanos focarem no objetivo comum de existirem menos gatos do lado de fora, isso parece ser fácil de fazer. Embora, na realidade, ideias e crenças culturais sobre gatos – o que devemos a eles e o que eles merecem – pode complicar as soluções práticas.

Ás vezes cientistas acreditam que reações negativas do público venham da falta de informação. Eles jogam fatos no que entendem como um fosso de ignorância, na espera que quando esteja cheio, eles terão o público concordando com seus pontos de vista. Mas frequentemente eles esquecem que discordância nem sempre é falta de informação. Tem a ver com experiência, crenças e cultura. 




No caso de gatos, cientistas conservacionistas relatam com frequência o número de animais afetados por gatos, sejam dúzias de espécies levadas à extinção ou bilhões de indivíduos mortos. Eles sustentam essa vasta contagem de corpos como evidência de crimes felinos. Mas esses fatos nem sempre ganham discussões.  Eles podem até se horrorizar, mas eles também acabam deixando amantes de gatos na defensiva. Seus gatos, afinal, nunca fariam tais coisas. Do outro lado, os cientistas também podem ficar na defensiva, perguntando quantos passarinhos o Miau trouxe para casa nas últimas semanas.

Chegar a um acordo neste e em outros temas complexos de conservação tem que envolver mais do que lutar uma guerra de fatos. É sobre entender atitudes e cultura. Não sobre os gatos, mas sobre as pessoas, sobre as que os amam e sobre as que querem salvar a vida selvagem deles. Para lidar com os gatos, precisamos nos entender primeiro.

Bethany Brookshire é jornalista científica e autora de Pestes: Como Humanos Criam Animais Vilões. Leia aqui um trecho em inglês de Pestes. 



Comentários

Postagens mais visitadas