ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD (Once Upon a Time... in Hollywood, EUA, 2019)- Crítica

Belo poster emulando arte dos anos 70.


Uma bela e cruel dança entre ficção e realidade

Quando vi o primeiro trailer de Era Uma Vez em Hollywood, pensei: “Nossa, vai ser superdivertido esse filme do Tarantino sobre a Hollywood dos anos 60 e 70. Milhões de referências, homenagens e deboches para se fazer.” Já no segundo trailer dava pra ver que tinha as personagens reais de Sharon Tate e Charles Manson e aí eu pensei:”Meu deus, o que é que o Tarantino vai fazer? Ele costuma mostrar mortes com muito humor negro. Ele vai ter coragem de fazer isso com a morte horrível da Sharon Tate com o Polansky ainda vivo?”

Para quem não sabe do que estou falando, Charles Manson foi líder de um seita hippie em que era basicamente um culto a personalidade doentia dele. Talvez eles até o chamassem de mito... Na noite de 8 de agosto de 1969, três membros da mais tarde denominada família Manson, invadiram a residência em Los Angeles onde morava a jovem atriz em ascensão Sharon Tate, esposa do já mundialmente famoso diretor Roman Polansky (ainda em atividade). Polansky estava gravando na Europa e Tate estava com alguns amigos na mansão. Tate estava com quase 9 meses completos de gravidez. Seguindo as ordens de Manson, um homem e duas mulheres, munidos de armas de fogo e facas, mutilaram e mataram todos que estavam na casa. Sharon Tate, grávida, foi morta com 16 facadas. Além de Tate e seu bebê não-nascido, mais três homens e uma mulher foram mortos. Eles não tinham intenção de roubar nada, entraram apenas para matar. Esse crime monstruoso foi um dos responsáveis por acabar com a falsa inocência que pairava na sociedade americana e deu muito má fama ao movimento hippie, que em sua vasta maioria, tinha objetivos pacíficos e transformadores.
Mas antes de chegar ao massacre que assombra Hollywood até hoje, o filme de 160 minutos tem muita história para contar.

Sharon Tate, morta aos 26 anos.


Tarantino, como se sabe, tem um vasto conhecimento cinematográfico, adora todo tipo de filme e série de TV e Era Uma Vez presta reverência a uma era que fez a infância e adolescência de quem tem entre 45 e 60 anos. Com dezenas de referências a filmes, séries de TV, atores, atrizes, diretores e objetos de cena, o cinéfilo irá se divertir reconhecendo ou tentando reconhecer toda a história de Hollywood que ele menciona ou joga na tela. Tarantino diz que está ficando velho e não quer fazer filmes geriátricos, que vai parar no décimo filme (esse é o 9º), mas eu não acredito muito nisso. Mas é fato que a questão da velhice, do fim da carreira e de novas perspectivas na vida é algo que lhe interessa e talvez o incomode.

No filme, Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt) são colegas e amigos de longa data. Rick é um ator decadente que fez fama em um seriado de western cancelado 8 anos atrás e Cliff é seu dublê , chofer e faz tudo. Como bem apontou a crítica Josephine Livingstone para o The New Republic, a grande sacada da relação entre os dois amigos é que Rick é o ator machão da TV que na vida real mora em uma pequena mansão e que chora na frente de desconhecidos enquanto Cliff é o pobre dublê que vive em um trailer podre com sua Pitbull Brandy, mas que incorpora aquele antiga masculinidade hollywoodiana que Rick apenas finge ter. E enquanto Rick se humaniza cada vez mais, Cliff segue no caminho oposto, adotando a personalidade de um verdadeiro cowboy de filmes. E ambas as transformações são fascinantes de se acompanhar.

Ensaio fotográfico com Tarantino, DiCaprio e Pitt.

Tarantino constrói o filme de forma lenta e segura e para qualquer um que sabe sobre a terrível morte de Sharon Tate, o suspense de quando vai acontecer o massacre e como Tarantino pretende mostrar isso é angustiante. O momento em que Manson visita casualmente a casa e vê Tate é um tanto assustador. Os personagens fictícios de Rick e Cliff moram ao lado da casa de Polansky (Rafal Zawierucha) e Tate (Margot Robbie)  no filme e o sonho de Rick é ser convidado para uma festa na mansão para ter alguma chance de voltar a ser um ator em evidência. Enquanto Rick alimenta essa fantasia impossível, ele continua fazendo suas participações com vilão em algumas séries. Seu amigo Cliff, apesar de ótimo dublê, costuma causar problemas no set (como brigar com Bruce Lee) e por isso tem dificuldade em arrumar trabalho.

E assim o filme segue, acompanhando as desventuras dos dois amigos, com alguns cortes para acompanharmos um pouco da vida de Polansky e Tate antes do final trágico. Em uma bela homenagem à atriz, Tarantino coloca Margot Robbie assistindo a verdadeira Sharon Tate no cinema, em uma sessão do filme Arma Secreta contra Matt Helm (1968).  E o diretor também presta uma homenagem a si próprio, fazendo referência ao corajoso e brilhante revisionismo de Bastardos Inglórios (2009) em uma cena interpretada pelo galã Rick Dalton.
           

A engraçadissima disputa entre Cliff Booth e Bruce Lee (Mike Moh).


Outro item a destacar no filme é o cuidado com o figurino e a direção de arte, recriando a Los Angeles de 1969 de uma forma que deve ter maravilhado qualquer um que a tenha conhecido naquela época. Um trabalho requintado e superior a recriação da New York dos anos 1970 de Rainhas do Crime. Prevejo várias indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Roteiro.

Por último, a esperada e temida cena do massacre, que eu receava que seria feita com muito humor negro e que portanto, seria extremamente desrespeitosa com a memória da atriz e das pessoas vivas que a conheceram, é resolvida de uma forma tão magnífica que boa parte do público aplaudiu e o final deixou bastante comovido esse crítico que vos escreve.

Afinal, por mais cruel que Hollywood seja com os seus, ela não deixa de ser feita de sonhos.



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