FREE GUY: ASSUMINDO O CONTROLE - Crítica


Divertido cartaz que homenageia a já nostálgica franquia DOOM.

O filme de ação mais esperto do ano (até agora)!

Guy (Ryan Reynolds) leva uma vida pacata e aparentemente monótona mesmo diante de tanta ação, lutas, perseguições de carro, assaltos e explosões ocorrendo ao seu redor. Mas como o trailer mostra, Guy é um PNJ/NPC (Personagem Não-Jogável/Non Playable Character) em FREE CITY, o game on line mais popular do mundo, uma mistura de GRAND THEFT AUTO com FORTNITE. PNJs são simplesmente aqueles personagens que vagueiam pelos games com a intenção de serem apenas meros obstáculos simples no caminho dos jogadores ou parte do cenário. Em muitos games, você pode interagir com eles e é comum eles serem constantes vítimas de espancamentos e assassinatos aleatórios por conta dos jogadores mais sádicos. Dito isso, após tomar uma inusitada iniciativa para um PNJ, Guy descobre que seu mundo não é aquilo que ele pensava ser (#MatrixFeelings) e Molotov (Jodie Comer), uma jogadora bem ao estilo Trinity ajuda Neo, quer dizer... Guy, disparando sua jornada rumo à iluminação, quer dizer... à fazer pontos e ganhar upgrades. 


 

Com grandes upgrades vem grandes responsabilidades.

  

Shawn Levy, diretor de comédias e dramas leves como GIGANTES DE AÇO (2011) e a trilogia UMA NOITE NO MUSEU (2006), tem em FREE GUY seu melhor momento. Não que ele tenha arroubos criativos ou estéticos, mas consegue marcar pontos com o espectador durante todo o filme. Isso talvez se deva graças Matt Lieberman (você não) e Zak Penn (você sim), os roteiristas de FREE GUY. Liberman está oficialmente na indústria desde 2018 e o qie ele tem de melhor para mostrar é a animação A FAMÍLIA ADDAMS (2019), enquanto Zak Penn já tem mais de 20 anos de jogo e já subiu vários níveis graças à X-MEN 2 (2003), INCIDENTE NO LAGO NESS (Falso documentário imperdível com Werner Herzog, de 2004), O INCRÍVEL HULK (2008) e VINGADORES (2012). Em O JOGADOR Nº 1 (2018), Penn já flertava com o mundo dos games quase da mesma forma que em FREE GUY, mas infelizmente a direção sem inspiração de um Spielberg cada vez mais preguiçoso, não ajudou. Mas com um diretor animadão e um produtor/ ator espirituoso e divertido como Ryan Reynolds, as chances de dar bug eram pequenas. E não deu! 


 

Guy é o cara comum que se revela um cara comum, mas com ética. 


Além de remeter diretamente a dois dos filmes supracitados, o filme também lembra momentos e conceitos de DETONA RALPH (2012) e ELA (2013). E como todo bom filme pós-moderno para as massas, o filme vem cheio de referências e piadinhas envolvendo diversos games e filmes aleatórios. Em alguns casos até fornecendo fan service, pois com aquisição da Fox pela Disney, as franquias são o limite.    


  

Easter Eggs! Easter Eggs por todos os lados.

    

Gamers e mesmo o público noob em geral devem curtir bastante esse filme que brinca de forma empolgante, divertida e inteligente com as inúmeras possibilidades do universo dos vídeo games e com os bastidores dessa indústria, já que além do drama virtual de Guy, também acompanhamos os conflitos entre os programadores do jogo, Millie (Comer novamente, em versátil papel duplo), Joe Keery (Stranger Things) e seu chefe excêntrico interpretado por um vilanesco Taika Waititi, o diretor aclamado pelo criativo O QUE FAZEMOS NAS SOMBRAS (2014) e pela revitalização da franquia do deus nórdico em THOR:RAGNAROK (2017).


Antwan (Taika Waititi), Mouser (Utkarsh Ambudkar) e Keys (Joe Keery) discutem sobre o estranho comportamento do PNJ Guy.

Hollywood adora colocar produtores e CEOs como vilões em filmes que dependem dos mesmos produtores e CEOs. Não tenho certeza de quem está rindo de quem nesse jogo.

 

Dito isso, vamos à tópicos importantes que o filme tenta discutir, às vezes com algum sucesso, às vezes caindo em clichês equivocados. O primeiro é a questão da IA (Inteligência Artificial), visto que Guy, ao se tornar consciente da situação em que vive, passa a ser a primeira IA ativa no planeta. Questões éticas sobre se ele tem o direito ou não a existência são postas em conflito e resolvidas mais com ação do que com palavras. Para quem gosta de uma discussão madura sobre o tema, recomendo o filme ELA, de Spike Jonze, AGENTE DO FUTURO (2014) de Gabe Ibañez e o episódio A Medida de um Homem (Temporada 2, ep. 9), da série STAR TREK: A NOVA GERAÇÃO. Em um mundo em que a IA está prestes a surgir de facto nas próximas décadas, livros e filmes de ficção científica são a vanguarda dessa importante discussão sobre algo que pode (ou não) mudar radicalmente a sociedade humana ainda neste século.    

   

Guy se torna uma entidade capaz de quebrar a barreira intelectual e emocional entre dois universos.


Apesar da boa intenção e aí não sei se é burrice ou mera questão estrutural de procurar criar conflitos dentro do roteiro, a narrativa cai na vala comum do clichê da programadora de Guy dizer que ele “não é real”. Apesar de isso parecer uma conclusão óbvia, na verdade não é. Penn e Libermann já devem saber disso e sua personagem Millie também deveria saber pelo menos duas coisas bem conhecidas para quem trabalha com IAs e realidades simuladas como a de games: 1. Neurologistas já comprovaram que nossa percepção do mundo é interpretada pelo cérebro e para ele não importa o que é fantasia ou realidade. O que o cérebro interpreta como “realidade” é o que faz qualquer pessoa tomar decisões que afetam a si e aos outros, não importando se são fatos ou mero delírio. O caso dos negacionistas de vacinas é um exemplo bem atual de como um delírio alucinado pode tomar conta do cérebro e moldar a realidade de acordo com teorias da conspiração sem fatos concretos que as sustentem. Posto isso, se Guy é uma IA consciente e suas ações tem consequências para si e para o mundo ao redor, ele é tão real quanto qualquer pessoa de carne e osso, pois como já disseram os neurologistas, o que importa é a percepção (pensamento) que nosso cérebro tem do mundo, não importando se isso existe fisicamente ou não. 2. Com o advento dos games e IAs primitivas, filósofos e cientistas já se debruçam sobre a possibilidade do nosso universo ser a realidade simulada de outros seres. Afinal, se um dia criarmos um ambiente onde programas acreditem que são reais (e serão), o que impediria a possibilidade de também sermos? E se formos, haveria alguma chance de levantarmos o véu da realidade como fizeram Neo em MATRIX e Guy em FREE GUY? Provavelmente não.   

Mas fica aí a divertida provocação filosófica que FREE GUY traz, além de muita ação e humor em todos os níveis para os quais o diretor Shaw Levy nos conduz.   



Bônus imperdível!


Comentários

Postagens mais visitadas