BATMAN (The Batman, EUA, 2022) – Crítica


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A versão mais assustadora do Homem-Morcego

Sinopse

Dois anos após sua primeira aparição, Batman chama a atenção do serial killer Charada, que o desafia a deter seus assassinatos.  


Batman em full modo detetive como nunca vimos.

O diretor

Matt Reeves começou com sua carreira no cinema com a comédia romântica O Primeiro Amor de um Homem (1996) e após estreia sem muita relevância, dirigiu alguns poucos episódios de séries para TV (certamente não era isso que pagava as contas) quando finalmente, em 2007, foi convidado por J. J. Abrams (Lost, Star Trek) para dirigir Cloverfield (2008). O sucesso do filme deu uma guinada monstruosa na carreira de Reeves, que em seguida dirigiu Deixe-me Entrar (2010), boa refilmagem americana do ótimo filme sueco de vampiro, Deixa Ela Entrar (2008). Após um breve hiato, Reeves se envolveu com as duas últimas partes da nova trilogia de Planeta dos Macacos (2014 e 2017), entregando blockbusters acima da média para o público padrão de 13 anos de idade. E longos 5 anos após (por culpa da pandemia), Reeves ressurge com sua versão de Batman.


Matt Reeves e Robert Pattinson realizam um dos grandes sonhos de suas carreiras: Batman.


O filme

Originalmente The Batman deveria ter sido protagonizado e dirigido por Ben Affleck. A história seria completamente diferente. Envolveria Deathstroke e o Asilo Arkham. O filme seguiria dentro do DCEU e provavelmente seguiria na linha de Zack Snyder. Affleck desistiu da direção e Reeves assumiu, mas aí Affleck desistiu de The Batman de vez e Reeves resolveu escrever uma história que o interessava mais. Ganhamos todos.


Um Batman menos teatral, menos espetaculoso, mais pé no chão, mais real até onde o cinema mainstream deixa. Por enquanto...


Inspirado pela atmosfera de suspense e investigação de filmes como Zodíaco (2007) e Seven (1995), o Batman de Reeves apresenta um personagem psicologicamente mais perturbado do que o público acostumou a ver e em uma Gotham City também mais suja, escura e corrupta. Usando o falecido músico Kurt Cobain (Nirvana) como modelo, Pattinson cria um Bruce Wayne que precisa desesperadamente de um psiquiatra, mas prefere resolver seus traumas agredindo bandidos na rua e investigando assassinatos. Também é relevante apontar que, diferente de BatBale e Batfleck, o Batman de Pattinson não exala aquele ar de testosterona de quem precisa provar que é o macho alfa entre os presentes. Apesar de brutal quando necessário, seu Batman fraqueja, tem dúvidas, erra. Essa fragilidade deixa seu Batman mais interessante, mais complexo e não um mero fortão que sabemos que vai resolver qualquer obstáculo e acabar com qualquer um na sua frente sem muita dificuldade.  


Obcecado com seu projeto de vigilante e traumatizado, Pattinson e Reeves criaram um Bruce Wayne mais próximo do que ele poderia ser na vida real.
  

O problema de um personagem como Batman nos dias de hoje, quando já está mais do que claro que bilionários como Bruce Wayne causam corrupção e pobreza, que por sua vez causam o aumento da criminalidade que atinge o cidadão comum, é que ele está se tornando cada vez mais anacrônico na sua vida de fantasia fantasiado de morcego para bater, quase que sempre, em gente pobre. Christopher Nolan e Reeves sabem disso e até usaram/usam a Mulher-Gato (Anne Hathaway / Zoe Kravitz) para confrontar Bruce Wayne/Batman com questões sociais. Mas efetivamente, os comentários estão lá apenas para mostrar que os roteiristas estão atentos aos tempos que correm, mas na prática, Wayne fará o mínimo possível e Gotham sempre continuará a capital do crime e da corrupção nos quadrinhos e filmes da DC. Afinal, se Wayne realmente fizer algo relevante socialmente, seu Batman teria muito menos o que fazer. A ótima paródia do Porta dos Fundos explica bem.



Voltando ao filme, essa foi a primeira vez que realmente fiquei assustado com o personagem, pois antes, em todos os filmes, escutava Batman dizendo que tinha que ser assustador e via os bandidos se assustando com ele, mas eu mesmo nunca sentia nada desse suposto pavor que ele deveria exercer. Mas dessa vez, graças a um enquadramento que faz referência a um filme de Tarantino (não direi qual) que provoca a mesma tensão psicológica, a lúgubre trilha de Michael Giacchino que emula uma marcha fúnebre e a fotografia claustrofóbica de Greig Fraser, a aparição de Batman me causou uma sensação de medo dele e do que aconteceria a seguir.  E esse é um dos grandes trunfos do filme de Reeves: fazer com que Batman seja realmente um personagem mais importante até do que os vilões. Porque no geral, o pobre cruzado encapuzado era quase sempre eclipsado pelos seus antagonistas em outros filmes. Mas não nesse. E uma das coisas que o espectador vai notar é que Batman tem muito mais cenas do que costuma ter em seus outros filmes, que é justamente o objetivo do diretor: mostrar que Bruce Wayne usa o Batman como uma fuga de seu estado depressivo. Seu Batman “socializa” muito mais do que o recluso Bruce Wayne.


A surpreendente trilha de Michael Giacchino remete muito mais a um filme de terror do que a qualquer outro gênero.
 

Apesar da reação inicial de boa parte dos críticos e público ser bastante entusiasmada, o filme está longe de ser perfeito. Apesar dos grandes acertos na história, fotografia, trilha e direção de arte, nem todo o elenco funciona bem. Embora Jeffrey Wright seja um ótimo Jim Gordon e Paul Dano capriche em seu Charada, o mesmo não se pode dizer de Zoe Kravitz, que apesar de ter uma personagem com um arco mais interessante e complexo que suas antecessoras felinas em outros filmes, não é uma atriz com grandes recursos dramáticos. Da mesma forma, apesar da história fisgar o espectador a ponto de nem se sentir as 3 horas de filme passarem, faz falta diálogos mais bem elaborados e inteligentes saindo da boca dos personagens. Nessas horas você lembra de diálogos de séries como Breaking Bad e Família Soprano e apenas lamenta não chamarem esses roteiristas para ajudarem nesse departamento. 


Apesar de ser um peça importante da trama, a Mulher-Gato de Kravitz não gera o impacto que sua anti-heroína deveria ter na tela. E essa foto foi clareada pelo marketing do filme, o filme é muito mais escuro.  


Um outro grande problema na construção da narrativa e do próprio personagem é o fato do filme parecer ser para maiores de 18 anos a maior parte do tempo, mas quando chega na questão da violência, o filme é para 14 anos ou menos. E assim Batman espanca criminosos e o espectador, apavorado com a brutalidade, tem certeza que o pobre coitado está com traumatismo craniano e sem dentes. Mas como num desenho animado, as pessoas espancadas levantam-se com a cara limpa, dentes intactos, no máximo um arranhão e saem andando como se não tivessem acabado de levar a maior surra de suas vidas. Acho isso bastante anti-catártico para o adulto que está assistindo e pouco educacional para os muito jovens, pois acho que isso passa uma mensagem um tanto confusa sobre as consequências da violência física. Assim como isso contradiz a lógica da construção do personagem e suas ações , onde logo após se mostrar como alguém assustador e fisicamente brutal que se autodenomina “Vingança”, Batman deixa os bandidos irem embora sem nenhum osso quebrado ou mancha de sangue no rosto.


Batman bate, bate e bate, mas de nada adianta. Por isso que a criminalidade não cessa.


De qualquer forma, apesar desses e outros deslizes menores, Reeves consegue fazer um filme anti-Marvel bem sucedido, mostrando que o protagonista e as pessoas ao redor não precisam fazer uma piada ou comentário jocoso a cada minuto e que filmes de supers podem se sustentar com sobriedade e até mesmo mostrar o herói contra grupos de fanáticos ressentidos de extrema-direita muito similares aos que existem na vida real em grupos de Telegram envolvendo masculinistas, bolsonazistas e conspiracionistas antivacina. Que o Batman de Pattinson e Reeves tenha uma trilogia tão bem sucedida quanto a de Nolan.    


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