BABILÔNIA (Babylon, EUA, 2022) - Crítica
Da aurora e do crepúsculo dos deuses
Sinopse
Personagens ficcionais e reais se encontram e se mesclam nesse retrato caótico e ambicioso da nascente Hollywood.
O diretor
Damien Chazelle é apaixonado por música, em especial por jazz, e todos os seus quatro filmes tem protagonistas ou personagens importantes envolvidos com esse gênero musical. O ótimo Whiplash (2014), seu segundo longa, lhe trouxe fama e reconhecimento tanto da crítica quanto de seus pares, com 98 prêmios em festivas mundo afora, incluindo 3 Oscars. Em 2016 voltou com o musical La La Land, que conquistou 297 prêmios, incluindo 6 Oscars. E com 32 anos, foi o diretor mais jovem a ganhar o Oscar nessa categoria.
O filme
Babilônia abre com uma cena cuja referência ao próprio título, ao épico filme Intolerância (1916) e a escatologia que se segue, dão o tom de tudo o que virá: os bastidores de uma Hollywood depravada que beirava a insanidade enquanto apresentava ao público um glamour jamais visto na história da humanidade. Mais ou menos a mesma coisa que fazem alguns bilionários, artistas e influencers hoje.
Filmes como Magnólia (1999) de Paul Thomas Anderson, Short Cuts (1003) de Robert Altman e O Lobo de Wall Street (2013) de Martin Scorsese são inspirações no que concerne ao retrato de cenas da vida de diversos personagens que ora interagem, ora vivem seus dramas solo utilizando cortes dinâmicos e quase anárquicos. Especialmente no primeiro ato do filme.
O personagem de Brad Pitt é baseado em John Gilbert. Um dos principais astros da MGM nos anos 1920, o ator sofreu com a ascensão do cinema falado, já que sua voz suave não combinava com a imagem máscula que era vendida nos filmes. Com a decadência e o alcoolismo, veio um ataque do coração aos 38 anos de idade.
Foto: Brad Pitt, Diego Calva
Misturando fato e ficção, personagens reais e amálgamas de outros tantos, o diretor cria uma das cenas mais caóticas e absurdas do cinema recente ao recriar no deserto, diversos sets de filmes, desde o mais simples como um pequeno bar, até uma grande batalha com centenas de figurante e cavalos. Numa época sem som, isso era possível, mas certamente há um exagero proposital do diretor em encenar uma coreografia dantesca da confusão calamitosa da Hollywood onde tudo podia, até mesmo matar figurantes, dublês e outros profissionais sem muitas consequências legais. No babilônico bacanal que abre o filme, se faz inclusive uma referência ao ator Fatty Arbuckle, que matou uma prostituta em uma festa. No caso real, ele acabou sendo culpado pela mídia, inclusive de vários outros crimes que não cometeu, tendo sido uma das vítimas mais famosas de Fake News da mídia da época. Mesmo absolvido (em uma decisão polêmica), nunca mais conseguiu emprego na indústria por conta da campanha contra ele.
O diretor representa muito bem os personagens da época, o galã veterano álcoolatra Jack Conrado (Brad Pitt), a aspirante a superstar Nellie LaRoy (Margott Robbie) e Manny Torres (Diego Calva), o imigrante mexicano em busca do sonho americano, além da várias outras figuras típicas e conhecidas por qualquer um que tenha lido sobre ou visto filmes mudos e os primeiros falados.
O filme retrata os bastidores extravagantes e excessivos da indústria antes do Código Hays banir a nudez e o uso de drogas. E antes dos profissionais e atores se sindicalizarem para não mais correrem riscos de morte no set.
Foto: Lukas Hass (centro, de pé)
Extremamente dividida entre amadores, oportunistas e profissionais, a Hollywood de Babilônia aceitava qualquer um que conseguisse fazer qualquer tarefa que lhe fosse dada ou que pudesse gerar qualquer lucro. Pensando bem, nada mudou nesse sentido.
O racismo da época não passa em brancas nuvens e o músico de jazz Sidney Palmer (Jovan Adepo) ascende a condição de astro de musicais para o público negro no início dos primeiros filmes sonoros, mas ao ser humilhado para parecer mais preto para uma audiência racista, ele opta pela dignidade. Como na história real, o único ator negro de destaque é o menos retratado pelo diretor e justamente por ser o personagem mais decente e coerente, não é o que mais interessa ao diretor. Afinal Hollywood e o próprio diretor focam nos escândalos, nos ultrajes, nos personagens sem freio e sem noção. Hollywood vive e se alimenta de drama.
Apesar de muitos absurdos e exageros, umas das cenas mais realistas é a da cena repetida várias vezes por Margott Robbie e que quase enlouquece os personagens em cena. Não existe profissional de cinema que não tenha vivido cena semelhante.
Com Babilônia, Chazelle realiza seu filme mais audacioso, ambicioso e épico e nisso reside sua força e sua fraqueza, pois com mais de 3 horas de duração, Chazelle parece se perder em alguns momentos, assim como deixa escapar o rumo de alguns personagens, o que me deixou desinteressado em alguns momentos. Mas está lá a paixão do diretor em falar sobre jazz, sobre artistas de todo tipo e seu comprometimento com sua arte, seus conflitos e dramas ao não conseguirem dissociar suas vidas de suas carreiras e vice versa. A arte está lá para todos, tanto como um meio de salvação quanto como um meio de perdição.
Ao final, Chazelle decide experimentar na edição com uma homenagem caótica e confusa que muitos poucos apreciarão ou mesmo entenderão se não forem cinéfilos faixa preta. Eu mesmo ainda não sei se gostei ou odiei. Por enquanto continuo achando uma má decisão do diretor. Homenagem melhor ao cinema foi feita, por exemplo, no surpreendente Dublê de Anjo (2006).
No fim, dada a corrupção, amadorismo, perversão e hipocrisia dos personagens do filme e dos estúdios ali retratados, uma das mensagens que fica é que se assistir filmes causasse câncer, Hollywood faria um filme emocionante denunciado isso para você assistir.
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