OS FABELMANS (The Fabelmans, EUA, 2022) – Crítica

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Nasce um diretor

Sinopse

Em uma ficção baseada na própria vida, Spielberg conta a história da família Fabelman, onde o jovem Sammy descobre sua paixão por cinema enquanto lida com crises familiares e a adolescência nos anos 60.

O diretor

Há quase 50 anos Steven Spielberg é uma referência cinematográfica para o grande público e para todo diretor que um dia almejou ter o talento de realizar bons filmes e fazer sucessos de bilheteria. Desde o surpreendente Encurralado (1971), filme feito para a TV que ficou tão bom que a produtora decidiu lança-lo nos cinemas, Spielberg tem deixado sua marca na história mundial com sua narrativa dinâmica e criativa e que até hoje ninguém conseguiu igualar. 




O filme

O sobrenome do protagonista, Fabelman, é um anagrama para Fable Man (Homem da Fábula / Homem da História), que é que Steven Spielberg foi a vida toda, um contador de histórias. E que histórias ele contou ao longo de seus 76 anos...

O documentário Spielberg (2017), produzido pela HBO, é praticamente um anexo ao filme Os Fabelmans. Nesse documentário praticamente metade das cenas encenadas no filme são contadas pelo próprio Spielberg, suas irmãs e seus pais, ainda vivos na época da gravação. A opção de não fazer uma autobiografia e optar por uma ficção baseada em sua biografia não deu muito certo, pois quem já leu sobre a história de Steven Spielberg ou viu seu documentário, não conseguirá dissociar Sammy Fabelman (o simpático Gabriel LaBelle) do cineasta. Mas isso é apenas uma constatação, em nada diminui o valor do filme. Mas a decisão de realmente atrasar o filme foi o medo de magoar seus pais e somente depois da morte de Leah Adler (2017) e Arnold Spielberg (2020), ele teve coragem de finalizar o projeto. O filme é dedicado a sua mãe.


Gabriel LaBelle, Michelle Williams e Paul Dano.
A ideia do filme data de 1999, quando o diretor considerou levar adiante um filme sobre sua infância. Sua irmã Anne Spielberg (que inspirou a personagem Reggie) já havia escrito o roteiro cujo título era “I’ll be Home” (Estarei em Casa).

É claro que muitos outros cineastas já fizeram cinebiografias de suas vidas, muitas nem sequer relacionadas com sua vida profssional, mas apenas com fatos da infância ou em alguns casos, com a  Segunda Guerra. Até porque muitos deles só descobriram sua vocação para o cinema mais tarde. Mas não Spielberg. Antes mesmo dos 10 anos ele já experimentava com a câmera e isso o definiu tanto como ser humano quanto como artista. 


Seth Rogen contou que Spielberg chorava muito ao gravar várias das cenas, pois muitas delas eram reconstituições diretas de momentos de sua vida.

No filme, o tio Boris (forte performance de Judd Hirsch), confronta Sammy e lhe diz que arte e família (ou vida social) são irreconciliáveis para o verdadeiro artista. Que é praticamente impossível um coexistir com o outro sem grande sacrifício e sofrimento. E é o caso de sua mãe Mitzi (Michelle Williams), que desistiu de uma promissora carreira de pianista para se casar com Burt (o sempre camaleônico Paul Dano), um gênio da recente ciência da computação. Sem poder exercer sua arte e com dificuldade de se comunicar com o marido cientista, ela desenvolve a solidão e as neuroses que afetaram milhões e milhões de mulheres em uma época que poucas tinham a liberdade de se expressar como cidadãs ou artistas. Isso acaba detonando uma série de conflitos dentro da família criada em uma cultura muito mais patriarcal do que a de hoje, com uma nova paixão e um divórcio.         


Para as cenas de Sammy gravando seus filmes, o diretor quis que o personagem recriasse os mesmos filmes que ele havia feito na juventude. Mas Spielberg não resistiu e melhorou alguns enquadramentos. Na foto, Sammy dá indicações emocionais para seu ator amador.


A repetição e arte da criação são os raros momentos que o ser humano ou um artista pode ter controle sobre seu mundo. A repetição, algo muito apreciado por mentes infantis, garante que o mundo será sempre o mesmo, mesmo que apenas durante uma brincadeira que dura horas ou durante um filme que se assiste diversas vezes. A arte da criação, embora muito mais caótica, dá ao artista a sensação de que ele domina sua obra, e no caso de um cineasta, de que ele é capaz, através de um roteiro, de controlar a própria vida. Ou pelo menos, momentos dela. Isso é percebido de forma empírica pela criança Sammy (Mateo Zoryan), ao notar que replicando em casa a cena que o assustara em um filme e filmá-la para assisti-la repetidamente, seu medo desaparecia através do controle. E assistindo a cena projetada em sua pequena mão (a cena mais bela do filme), Sammy levará para sempre a sensação de que ele pode conter o mundo (e seus medos e inseguranças) através da imagem em movimento.    


Ao ler o roteiro, o ótimo Gabriel LaBelle achou que se tratava de uma biografia em 3 atos, onde por 35 páginas havia um Sammy criança, depois ele como adolescente e no último ato, um Sammy adulto. E ficou muito feliz ao descobrir que seu personagem se mantinha adolescente até o final.  


Para os fãs de cinema, a criatividade e genialidade do jovem Sammy/Spielberg é demonstrada em vários momentos durante as filmagens de seus curtas, praticamente todas baseadas no que ele podia fazer com zero orçamento nos anos 50 e 60. Ganha um Pix quem adivinhar como ele faz o brilho da explosão das pistolas antes que ele conte no filme. 

Família judaica, os Fabelmans não escapam do antissemitismo sempre vigente nos EUA. Passada a breve comoção americana pelo holocausto judeu que os próprios americanos ajudaram a parar, o ódio contra judeus volta com a mesma força de antes nos anos 50 e que continua até hoje nos grupos supremacistas e de teóricos da conspiração. Isso e a menção ao senador republicano Barry Goldwater são a fatia política do filme.    


Para o papel do icônico John Ford, apenas outra lenda do cinema.
David Lynch solicitou seu figurino do famoso diretor uma semana antes para encarná-lo.  Ele também só topou fazer o filme se tivesse sacos de Cheetos na mesa de lanche do set.

Como roteirista e diretor, o filme me tocou profundamente, já que o próprio Spielberg foi minha maior inspiração para tentar essa carreira extremamente difícil em um país sem indústria cinematográfica. E assim como eu, tenho certeza que muitos cineastas frustrados, bem sucedidos e novatos mundo afora, vão se enxergar no jovem Sammy/Spielberg e ver aqui e ali momentos de suas próprias vidas nas telas. E isso demonstra, mais uma vez, a capacidade do cineasta em estabelecer uma conexão com seu público. E em especial, todo o o amor que Spielberg tem pelo cinema e por todos nós, que tentamos.   



BÔNUS


O gatilho definitivo para que Spielberg finalmente realizasse sua semi-autobiografia no cinema, pode ter sido essa chamada para o 24ht Raindance Film Festival (2016), onde uma equipe brasileira, sob o comando do diretor Filippo Capuzzi Lapietra, fez essa bela homenagem ao cineasta mais famoso do mundo. O curta chegou aos olhos de Spielberg, que disse "Ha-Ha! Acho que esse foi a homenagem mais querida que já vi! Agradeça aos estudantes de Dan Mindel. Eles acertaram. Quanto mais alto sonhamos, mais temos chances de conseguir.”


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