EMMANUEL LUBEZKI – DIRETOR DE FOTOGRAFIA - Entrevista

Emmanuel "Chivo" Lubezki


Lubezki começou sua carreira em produções mexicanas para televisão e cinema no final dos anos 1980. Sua primeira produção internacional foi o filme independente Cash, Em Busca do Dólar (Twenty Bucks, 1993), que seguia jornada de uma única nota de 20 dólares.

Lubezki colabora frequentemente como seu colega mexicano, o cineasta Alfonso Cuarón. Os dois são amigos desde a adolescência e estudaram Cinema juntos na Universidade Nacional Autônoma do México. Juntos, trabalharam em seis filmes: Sólo com tu Parha (191), A Princesinha (1995), Grandes Esperanças (1998), E sua Mãe também (2001), Filhos da Esperança (2006) e Gravidade (2013).
Lubezki já foi indicado oito vezes para o Oscar por Melhor Fotografia, tendo recebido três deles: Gravidade, Birdman (ou a Inesperada Virtude da Ignorância) (2014) e O Regresso (2015). Ele foi o primeiro diretor de fotografia na história a receber três Oscar consecutivos.

(Traduzido e adaptado da biografia escrita por Pedro Borges para o IMDB)

A entrevista a seguir é formada por trechos de três entrevistas dadas para diferentes sites cujos links estão ao final para quem preferir ler as entrevistas completas em inglês.


 Oscar 2015: Prêmio pela fotografia de Birdman.


Já teve um tempo para refletir sobre os últimos anos, os Oscar e tudo o mais?

Não, eu acho que foi uma tsunami isso que me atingiu.  Tenho trabalhado quatro anos sem parar com Alejandro e não conseguimos sentar para conversar como nos sentimos sobre tudo isso. É muito esquisito, porque esses filmes ainda estão nos cinemas e estreando em países diferentes. Fico muito feliz do público poder assisti-los, mas ainda não tive tempo para vê-los com objetividade. Quando assisto os filmes eu mal consigo prestar atenção porque fico olhando para todas as pequenas coisas que não ficaram muito bem. 

Vamos falar sobre a cena do urso em O Regresso. O que você pode contar sobre ela?

Bem, essa foi a cena mais complicada do filme porque era tecnicamente muito desafiadora. Até mesmo a parte de chegar na locação e pensar em como a queríamos, como queríamos bloquear a cena e o que queríamos dizer sobre o ataque. Era um ponto de virada muito importante no filme e uma grande tragédia que ele se viu entre a mãe e os filhotes, o que ao mesmo tempo ecoa a relação entre ele e o filho, e como ele faria qualquer coisa para protegê-lo.

Mas primeiro tivemos que achar a locação com Jack Fisk, para entender a topografia, a atmosfera e a ambientação do local. Depois conseguimos uma locação em um estúdio de som para que pudessemos trabalhar com os dublês. Doug era o dublê principal e ele nos ajudou a coreografar a cena. Então trouxemos câmeras e trabalhamos com os dublês para tentar ajustar tudo.

Lubezki (mãos sobre os joelhos) e Cuáron sobre DiCaprio.


Daí tivemos sorte, achamos um vídeo na internet de um ataque real de urso. O ataque foi filmado em um zôo por alguém que estava olhando uma pessoa que havia caído no fosso do urso. Ele foi atacado pelo urso. Tinha algo de horrível e aleatório no ataque. Se você não for um especialista em comportamento de ursos, é difícil de entender o que estava acontecendo.  O urso vai e ataca, sai de perto, olha ao redor e o tempo muda e parece ficar mais lento. E enquanto isso o cara está morrendo, e aí o urso vai, ataca, morde novamente e sai de perto. Essas ações eram todas muito horríveis e muito reais, são coisa que você não consegue escrever. A realidade é sempre mais complexa e mágica do que se pode ter em storyboards. Mas o que me bateu mesmo foi a pessoa que estava filmando, ela não parou de filmar para que se pudesse ver de verdade as mudanças no ritmo e todas as pausas.

É como um música estranha que é intensa e de repente fica calma. Quando vimos esse vídeo tivemos certeza de que nossa ideia de filmar tudo em uma única tomada era a coisa certa. Daí tivemos que criar coisas secretas que eu não vou contar (risos).

Não posso reveler, seria como um mágico contando seus truques antes do filme estrear. Vou manter segredo.

Uma das muitas cenas impressionantes do filme.


O que eu posso contar, é que para chegar nesse resultado foi bem difícil, mas uma vez que descobrimos como, as respostas foram simples e elegantes. Foi bastante complicado para Leo fisicamente porque quando o urso o sacode, ele está realmente sacudindo-o ao ponto máximo que um ser humano aguenta antes que sua coluna se quebre. Me dei conta que Leo é muito forte.

E sobre o alcance dinâmico que estamos vendo com novas tecnologias como a QuantumFilm e de câmeras como a Nikon D810... Como o digital se encaixa no seu método de trabalho agora? E você percebeu que precisa ter métodos e filosofias diferentes para exposição quando filma com digital em comparação com filme? 

Totalmente. Muito diferente. Quando assinei para fazer O Regresso, eu queria fazer todas as cenas diurnas em filme, só por causa do alcance dinâmico, e queria fazer todas as cenas crepusculares e noturnas com uma câmera digital. Isso porquê as digitais são mais sensíveis à luz. Elas podem ver mais nas sombras e você pode forçá-las um pouco. Por exemplo, vamos dizer que a Arri diz que sua câmera tem sensibilidade ISO 800. Você pode filmar com ela até ISO 1600 que não vai ter granulação.  Você pode filmar cenas à noite com luz de fogo e você pode capturar estrelas e a Aurora Boreal no céu noturno, coisas que o filme não consegue fazer.

Passei a fazer vários testes enquanto ensaiávamos para o filme, e toda vez que eu ia para o laboratório conferir os resultados, as imagens que eu capturava com a digital eram mais interessantes pra mim porquê elas tinham menos ruído ou mesmo nenhum ruído. Era como abrir uma janela para o público para que eles imergissem nesse mundo, mas com filme eu ainda tinha aquela aparência poética ou romântica e o grão e a textura estavam fazendo o mundo de O Regresso parecer mais romantizado.
Não estava me permitindo imergir no mundo destes caçadores da forma como as digitais conseguiram.


Entrar na água congelante é o mínimo que se espera de um bom DP.


Pouco a pouco eu percebi que eu não queria gravar a obra em filme. Para um cinegrafista de meia idade que está filmando há tantos anos... foi uma decisão bem difícil. É como, de repente, dizer para um músico: “Olha só, esquece esse teu piano incrível, você vai tocar esse concerto com um teclado.”
É de quebrar o coração, mas as imagens falam por si. Nós mandamos de volta todas as câmeras e latas  de filme para Los Angeles e começamos a gravar o resto dos testes com câmeras digitais. O que eu aprendi rapidamente foi que, ao contário do filme, você expõe de forma diferente. Você pode fazer um superexposição com filme, e por muitos anos eu superexpus filme porque eu gostava da forma como eu ainda podia ver os destaques (highlights), e ao superexpôr eu conseguia trazer um pouco de informação das sombras.

E como foi iluminar as cenas? Eu sei que trabalhou com luz natural para isso.

Nós usamos somente luz natural. Não quer dizer que apenas chegamos e filmamos o que queríamos.
O filme foi muito controlado e planejado. Tivemos que fazer muitas buscas por locações. Acho que viajamos uns 12 mil km de carro e um mês inteiro andando por aí. Jack Fisk e sua equipe encontraram locações incríveis. Nós fomos lá em diferente momentos do dia para ter uma n]boa noção de como elas eram expressivas. Qual era a atmosfera? O clima que a imagem sugeria?
Trouxemos alguns atores, stand-ins e adereços para começar os ensaios. Quando fazemos isso, você começa a aprender qual a melhor hora pra gravar em certas locações, e se eu preciso de mais equipamento pra criar mais contraste, onde colocá-lo. Fazer desse jeito pede mais preparação e muito mais concentração.

Pode nos falar um pouco sobre Terrence Malick?

Trabalhar com Terry mudou minha vida. Me tornei um pai diferente, um marido diferente e um amigo diferente. Eu vejo a natureza de uma forma diferente depois que trabalhei com Terry. Ele é um dos professores mais importantes da minha vida. E me tornei um cinegrafista muito melhor em ajudar diretores de uma forma muito mais compreensiva.

A Árvore da Vida, 2011.


E o plano sequência incial de 12 minutos de Gravidade (2013)?

Tenho que dizer algo sobre isso. Alfonso Cuáron tentou fazer uma tomada muito mais longa! Eu me sentia um pouco como na inquisição, toda hora dizendo: “Cuáron, é longo demais.” Parecia encenado, como se estivéssemos forçando demais. Não gosto quando filmes viram um série de cenas “tour de force” e, de certa forma,  fiquei desapontado quando em Filhos da Esperança (2006), as pessoas notaram que a cena do carro era uma tomada sem cortes. Quando as pessoas percebem isso é como se estivessem sacando o meu truque, entende o que quero dizer? Eu faço porque quero que as pessoas entrem no filme, não para me exibir. (...) Cuáron me disse: “Quero que esse seja o filme mais envolvente que você já fez.” Foi muito complicado de fazer. Queríamos que o filme fosse o mais natural possível, e isso é muito difícil de fazer em Computação Gráfica. (...) Se a plateia começa a perceber o truque, o melhor é parar o truque em algum ponto e aí começar de novo. É como apagar suas pegadas, aí as pessoas não tem como traça-las e te seguir.


O primeiro Oscar de Lubezki.

Ainda sobre planos sequências... e Birdman (2014)?

Eu não queria fazer um filme elaborado sem motivo algum ou apenas para me exibir. Mas o roteiro de Alejandro tinha essa semente plantada lá e estava escrito de forma perfeita, você lia como se fosse uma tomada só, entrando na loucura de Riggan Thomson (Michael Keaton) e o colapso da vida dele.
Então fazia sentido. Eu acho que funciona. (...) Produzir isso, como pode imaginar, foi extremamente complicado. Parte do filme foi feito de uma forma diferente dos outros filmes que já havia feito e dos filmes que sei que estão fazendo agora.  Quer dizer, tem muito a ver com o teatro no sentido que tivemos que construir um palco e aprender como fazer esse filme e fazer muitos ensaios. (...) E a proposta de fazer uma comédia em uma única tomada ou o que parece ser uma única tomada composta de várias tomadas longas, isso fez com que a maior parte da edição fosse seguir os movimentos da câmera e dos atores. Todo o ritmo teve que ser decidido na pré-produção e enquanto filmávamos. E isso era assustador porque a maioria dos diretores de comédia vão te dizer que a edição é a ferramenta mais importante para criar ritmo e fazer as piadas funcionarem.


Desafios mais complexos a cada filme.


Pra finalizar, pode falar sobre A Princessinha (1995)?

A Princesinha foi o primeiro filme grande que fiz na América, com estúdios enormes onde tinhámos uma agenda diferente para trabalhar. Tivemos um grande designer de produção, Bo Welch, e tivemos tempo de pensar no filme na pré-produção. E Alfonso (Cuáron) realmente se expandiu nesse filme. Foi entusiasmante ver ele trabalhando em uma produção cara como se já tivesse feito isso umas 20 vezes. O visual, a linguagem e as cores, foi incrível e obviamente, um filme em estúdio, tudo muito controlado, toda tomada usava luz. Foi uma experiência maravilhosa. Estávamos todos muito entusiasmados e nervosos.


Com A Princesinha, Lubezki recebeu sua primeira indicação ao Oscar.



Confira as entrevistas completas em inglês nos links abaixo.

Awards Daily

Digital Photography Review

Indie Wire


Comentários

Postagens mais visitadas