BROOKLYN SEM PAI NEM MÃE (Motherless Brooklyn, EUA, 2019) - Crítica
Política, capitalismo selvagem e filme noir: sempre uma boa mistura
Segundo filme do ator Edward Norton como diretor (o primeiro foi Tenha Fé, de 2000), Brooklyn sem Pai nem Mãe conta a história de Lionel Essrog (Norton) assistente do detetive Frank Minna (Bruce Willis em breve, mas boa participação) e sua investigação para encontrar o culpado pelo assassinato do amigo e chefe. Junto com outros colegas, personagens bem trabalhados pelo roteiro e que não servem apenas como escada para o protagonista, Lionel descobre que Frank havia descoberto algo muito maior do que a costumeira traição conjugal ou sócio roubando sócio.
Norton dirige o colega Willis.
Além do elenco diverso e afiado, talvez graças ao fato de Norton ser um grande performer e entender bem o trabalho do ator, ele mesmo se dá de presente um personagem traumatizado pela vida de garoto de rua, que sofre de Síndrome de Tourette (comum por fazer a pessoa xingar aleatoriamente e dizer coisas desconexas), tiques, TOC e talvez outas doenças. Altamente inteligente e com boa memória, apesar de suas incapacidades sociais, Norton entrega uma ótima performance e apesar dela provocar um certo riso involuntário em cenas que deveriam ser sérias, isso faz parte do que é ter essa doença neurológica, você não tem controle algum sobre quando ou como você vai se retorcer ou falar alguma bobagem. Pode distrair o espectador, mas é bastante realista.
Tendo seu cérebro como inimigo e aliado, Lionel tem que colocar em prática tudo o que aprendeu com seu mentor e amigo.
E por falar em realismo, a direção de arte desse filme noir passado nos anos 50, replica digitalmente e com perfeição grandes e pequenos espaços de New York e a profusão de belos carros antigos (talvez alguns digitais, mas muitos de colecionadores) é uma beleza de se ver. O filme foi baseado no livro homônimo de Jonathan Lethem, publicado em 1999. No livro, a trama se passa nos anos 90, mas Norton optou por fazer uma homenagem aos velhos filmes de detetive e para isso, nada melhor que fosse nos anos 40 ou 50. Mas os anos 50 foram escolhidos por um bom motivo.
Corrupção X Ética.
E aí entra o ótimo personagem de Alec Baldwin, que depois de já ter feito um executivo republicano de bom coração na excelente série cômica Um Maluco na TV e imitar Donald Trump várias vezes no Saturday Night Live, agora tem uma chance de representar um personagem bem mais sério ao estilo Trump. Seu personagem, Moses Randolph, é inspirado na figura real de Robert Moses, que após a Segunda Guerra e até os anos 60, construiu centenas de parques, ergueu estádios, pontes, autoestradas, casas de espetáculos, prédios, etc. Parece bacana, mas para fazer isso estima-se que ele pode ter expulsado meio milhão de pessoas pobres de suas casas e empregos. Assim como o Moses real, o Moses de Baldwin é o homem mais poderoso de cidade e apesar de ser um suposto funcionário público, tem mais poder que o prefeito e usa isso para colocar em prática seu sonho de construir uma bela cidade. De preferência sem pobres e sem negros. Além do comportamento dessa figura racista histórica, quem acompanha política irá identificar frases similares às de Trump saindo da boca do personagem de Baldwin.
Fotografia, direção de arte e figurino devem garantir algumas indicações ao Oscar.
Apesar do tom fortemente político e anticapitalismo selvagem que Norton trabalha no filme, o diretor optou por trazer também uma narrativa romântica ao filme, o que motiva muitas das ações de Lionel, visto que seu interesse romântico é a ativista negra Laura Rose (a bela Gugu Mbatha-Raw). A relação dos dois serve de contraponto entre a humanidade e a desumanidade que o filme apresenta e seu final segue a cartilha dos bons filmes noir: é tão cínico quanto realista.
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