O JUÍZO (Brasil, 2019) - Crítica



Terror constrangedor

Fui assistir o bom Morto não Fala do cineasta gaúcho Denisson Ramalho e para minha surpresa, antes do filme, foi exibido o trailer de mais um terror nacional, O Juízo. Com roteiro de Fernanda Torres, direção do irregular mas competente Andrucha Waddington (Eu Tu Eles e Os Penetras) e com a participação especial da Primeira Dama do Teatro, Fernanda Montenegro e Lima Duarte, o trailer prometia mais um filme bacana do gênero.

Só que, por mais bizarro que pareça, fiquei com a impressão de que o casal Torres/Waddington nunca assistiram um filme de terror, com exceção talvez de O Iluminado, o qual parece ser referência para algumas ideias do roteiro.


O filme é um pequeno acidente na cinebiografia de Montenegro. Ela irá sobreviver...


O filme começa no final do século XIX, com Couraça (o cantor Criolo), um escravo liberto e sua filha Ana (Kênia Barbara) pedindo abrigo em uma fazenda e sendo mortos pelo proprietário quando ele descobre que o escravo está de posse de pedras de diamante que achou em algum ponto do rio. Já no presente, o endividado Augusto (Felipe Camargo) recebe de herança a mesma fazenda, agora abandonada, e muda-se para lá com a sua esposa Tereza (Carol Castro) e o filho Marinho (o ainda verde Joaquim Torres Waddington, que está no filme por puro talento e meritocracia e não por ser filho da dupla famosa). Montenegro é a médium Marta e Duarte seu marido, o ourives Costa Breves.

Bem, como dizia, a roteirista e o diretor parecem não ser muito familiarizados com o gênero e isso causa cenas estranhas como quando a médium Marta e a mãe Tereza estão conversando e Marta vê Marinho aparecer acompanhado de um fantasma. E quando Tereza olha para o local para onde Marta está olhando, onde o espectador espera ver apenas Marinho pelo olhar da mãe, o diretor opta por tirar tanto Marinho, que está vivo, quanto o fantasma de cena. E assim,  Tereza olha para um ponto onde não tem ninguém. Em outro momento Marinho é picado por algo (pela picada, supostamente um escorpião), grita e cai imediatamente em uma escada. Os pais o acodem, Marinho passa mal e precisa ser carregado por ambos. Tereza diz para irem para o hospital, mas Augusto diz que é bobagem levar o rapaz para o hospital por causa de picada de inseto. Claro, porque quando a pessoa está caída em uma escada por causa de uma picada, certamente é frescura... Ao mesmo tempo, a picada sendo na mão, é um pouco estranho que o veneno aja tão rapidamente e o rapaz não consiga andar segundos após a picada, mas logo em seguida ele já está sentado na cama e conversando normalmente como se nada tivesse acontecido. Um pouco esquisito, mas a coisa piora, pois logo em seguida, o rapaz está novamente febril e passando mal. Aparentemente Torres também não pesquisou como agem venenos de escorpiões. Incomoda também o fato de Carol Castro passar apagada a maior parte do tempo e 1/3 de suas falas serem apenas reclamações ou ficar gritando pelo filho e o marido. Em uma outra cena que me pareceu bizarramente machista em um filme escrito por uma mulher é quando Augusto dá de presente um anel de diamante para Tereza dizendo que ia vendê-lo para pagar as dívidas, mas que preferiu guardá-lo para dar para ela. Tereza diz que ele fez bem e nesse momento, beija o marido com intenções claramente sexuais. Sendo a relação deles durante todo o filme, sem paixão alguma, na hora isso me remeteu a um comercial da joalheira Masson de Porto Alegre dos anos 80, que mostrava um homem dando uma jóia para uma mulher que, então, se entregava à ele, em uma mensagem clara de que para conseguir transar com uma mulher, bastava lhe dar uma jóia.


Será que Fernanda Montenegro está arrependida de fazer esse filme do genro?


Além dessa miscelânea de cenas bobas, o filme tem diversos outros momentos com diálogos constrangedores e cenas sem muito sentido e apesar de Felipe Camargo, Montenegro e Duarte estarem bem em seus papeis, a direção obter bons enquadramentos com a fotografia sombria de Azul Serra, o filme não decola e patina a maior parte do tempo, mesmo com uma pequena sacada decente junto a um final burro (não achei palavra melhor)  sem conseguir emular nem sequer 1/3 da ótima atmosfera mórbida de Morto Não Fala, esse sim, um bom exemplo de como se fazer um terror nacional de qualidade. 



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