THE MATRIX RESURRECTIONS (EUA, 2021) - Crítica


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A volta de Neo e Trinity

Sinopse

Presos na Matrix novamente, Neo e Trinity precisam ser libertados pelos seus novos aliados.  

A diretora

Lana Wachowski é uma das diretoras da trilogia original, que junto com sua irmã Lilly, revolucionaram o cinema de ação tanto na estética quanto no conteúdo, provando que filmes de ação inspirados em quadrinhos e games serviam tão bem para discussões filosóficas e existencialistas quanto qualquer filme autoral europeu. A ausência de Lilly foi sentida por quê até então, todos os filmes que elas trabalharam eram conduzidos pela dupla. Lilly declarou: “Havia algo sobre a ideia de voltar atrás e ser parte de algo que eu tinha feito antes que era expressamente desagradável. Não queria ter passado pela minha transição (Lilly se refere a mudança de gênero dela e da irmã), toda essa perturbação na minha vida, o sentimento de luto pelos meus pais para voltar a algo que já fiz e meio que andar por um caminho que já andei parecia emocionalmente insatisfatório.”



Ao contrário de muitos filmes de ação, que colocam diretores de 2ª unidade para realizarem cenas de ação, Lana Wachowski fez questão de fazê-las.

O filme

Ainda no primeiro ato de The Matrix Resurrections, Morpheus (Yahya Abdul-Mateen) leva Neo (Keanu Reeves) para um lugar familiar e o acalma dizendo: “Nada tranquiliza mais a ansiedade do que um pouco de nostalgia.” Essa fala também pode ser lida como uma (auto)crítica dirigida aos estúdios/espectadores com medo de novidades e mergulhados confortavelmente em franquias eternas onde a familiaridade e as referências constantes são tão lucrativas quanto reconfortantes. Até mesmo a supostamente nova aparência de Neo é familiar, já que ela lembra muito John Wick, seu personagem da franquia homônima e especialista em Gun Fu. Estranhamente, na trilogia John Wick existem citações à Matrix e a presença de Laurence Fishburne (o Morpheus da trilogia Matrix original) . Por conta disso, cinéfilos conspiracionistas debateram ferozmente se John Wick não seria um novo alter ego de Neo na Matrix. Bem, The Matrix Resurrections responde essa pergunta.



Morpheus tenta novamente despertar o potencial adormecido de Neo. Na vida real é com meditação e yoga, mas na Matrix é na porrada mesmo.

Apesar do filme trazer de volta alguns atores da trilogia original, a falta mais sentida é a de Hugo Weaving, o agente Smith. Infelizmente ele não pode participar por conta de conflito de agenda com outros filmes. Mas visto que a diretora optou por não rejuvenescer digitalmente nenhum dos atores e achar uma explicação plausível para o envelhecimento deles, ela não serviria para o personagem de Weaving, que certamente teria que passar pelo processo digital. Outra característica importante da trilogia que faz falta, mas talvez o espectador demore um pouco para notar, é que a coreografia da lutas não é mais criada pelo elegante artista marcial Yuen Woo-Ping, mas sim pelo mais brutal Chad Stahelski, coordenador de lutas da franquia John Wick, e que foi o dublê de Keanu Reeves na trilogia original de Matrix. 



O chefe (Jonathan Groff) de Thomas Anderson (Reeves), apesar de simpático ao sofrimento de seu melhor funcionário, tem um certo prazer sádico em antagonizá-lo.  

Muitas cenas da trilogia estão espalhadas ao longo do filme, mas elas estão lá mais como comentários visuais do que como cenas explicativas.  Por isso, a Warner Bros, produtora da franquia, deve estar apostando que a base de fãs da trilogia original formada nos últimos 20 anos garanta uma boa bilheteria, visto que o filme não se sustenta sem que o espectador tenha visto a trilogia original. Esse quarto filme é praticamente um fan service em sua totalidade. Mas ninguém pode reclamar, afinal são apenas 3 filmes, uma animação e um game. Já para entender bem os filmes atuais da Marvel, o espectador médio precisa ver pelo menos 25 filmes, 5 miniséries e 3 séries.

  


Uma das grandes inspirações de The Matrix foram os quadrinhos de super-heróis que hoje tomam conta das salas de cinema e canais de streaming. 

       

Em termos de roteiro, esse era o filme que eu mais ou menos esperava ver após todo o monólogo do Arquiteto em The Matrix Reloaded, onde ele falava de várias versões da Matrix, várias anomalias diferentes (Neos), realidades dentro de realidades, etc. A própria fotografia de Danielle Massaccesi e John Toll puxando para o azul ao invés do tradicional verde composto por Bill Pope dá o tom de uma “realidade” mais próxima da nossa. Na época, além de mudanças sutis como essa, imaginei que as diretoras teriam até a ousadia de quebrar a 4ª Parede como Deadpool faz atualmente, mas no fim tivemos apenas uma continuação boa, mas óbvia. Bem, em Resurrections a diretora e seus colegas roteiristas brincam mais com a “realidade”, mas ainda não chegam as vias de fato. Mas é algo mais satisfatório nesse sentido do que foi The Matrix Revolutions. Os roteiristas também atualizam as referências e tendências tecnológicas, já que em 20 anos tivemos mudanças radicais em relação a 1999. E isso vale também para a tendência cinematográfica da já tradicional cena pós-créditos, que muitos de meus colegas jornalistas perderam por não curtirem ler os créditos ou simplesmente escutar a trilha sonora no final.  



O papel de conectar a nova geração de nerds para o universo da Matrix coube a Jessica Henwick, das séries Game of Thrones e Punho de Ferro.

Uma das principais razões que motivaram Lana a voltar par ao universo de Matrix foi a perda de seus pais e de um amigo. Foi uma das formas de lidar com esse luto e por isso trazer de volta a vida personagens supostamente mortos serviu de catarse para a diretora e a aposta na forte química e conexão amorosa dos protagonistas de meia idade foi uma forma da diretora mostrar que o amor, no fim das contas, pode ser a maior transgressão de todas em um mundo dominado por sistemas desumanos e escravizantes, sejam eles impostos pela sociedade humana ou de máquinas. Por isso, os momentos mais emocionantes e importantes do filme nem tem a ver com a jornada de Neo, mas sim com a de Trinity. 



A franquia das irmãs Wachowski sempre foi a frente de seu tempo e em The Matrix Resurrections ela dá mais um salto importante em relação a construção de seus personagens.

E por falar na criação maravilhosa que Carrie-Anne Moss, é de lamentar que, apesar de Keanu Reeves ter mantido uma boa carreira e até se tornado um astro de filmes bacanas de ação, a protagonista da já icônica Trinity não foi tão bem sucedida. Talvez em parte por não ter emplacado nenhum grande sucesso de bilheteria, apesar de alguns bons filmes na primeira década do século, sendo o mais interessante o drama político Ameaça Terrorista (Unthinkable, 2010). Mas talvez principalmente porque a cultura machista de Hollywood ainda esteja engatinhando na forma como utiliza mulheres em filmes de ação, especialmente mulheres com mais de 40 anos numa indústria que privilegia a juventude acima de tudo. Por isso o filme ganha pontos extras ao fazer o espectador torcer pelas cenas românticas e de luta desse lindo e maravilhoso casal de cinquentões. 



Ative as legendas e experimente a assustadora, porém inevitável nova tecnologia de construção de mundos digitais. 


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