DUNA: PARTE DOIS (DUNE: PART TWO, EUA, 2024) – Crítica



Uma assombrosa tempestade de areia


Sinopse

Paul Atreides se une aos Fremen e busca vingança contra os conspiradores que mataram seu pai e destruíram sua Casa real. 

O diretor

O diretor franco-canadense Dennis Villeneuve, cujos primeiros filmes mais conhecidos se enquadravam na linha de dramas psicológicos (O Homem Duplicado, 2013) e policiais densos (Sicario: Terra de Ninguém, 2015), parece ter encontrado seu caminho na Ficção Científica. Villeneuve revelou que um dos motivos para ter feito dois dos melhores filmes de FC dos últimos anos, A Chegada (2016) e Blade Runner:2049 (2017), foi para poder se familiarizar com o gênero para dirigir Duna, um projeto acalentado por muitos anos. Com Duna:Parte Dois, ele encerra o livro original da saga de Herbert mas fala que pretende fazer Duna: Parte Três, adaptando o segundo livro de Frank Herbert: O Messias de Duna.

Villeneuve ensaia com Chalamet.


O filme

No filme anterior, Paul Atreides (Timothée Chalamet) tinha viajado para o desértico Arrakis e estava ficando interessado em Chani (Zendaya), que faz parte dos Fremen, guerreiros rebeldes que travam uma batalha pelo controle da especiaria, o pó espacial do qual depende o universo. Enquanto isso, em um planeta que teve suas cores anuladas por um sol negro, Feyd-Rautha Harkonnen (Austin Butler), um jovem guerreiro psicopata, se destaca em seu rito de maturidade.

Apesar da grande façanha de ter conseguido realizar uma espetacular adaptação de 5 horas (descontados os longos créditos em ambas) do livro de Herbert, ainda assim Villeneuve parece apressar algumas cenas e deixa o espectador querendo ver mais de muitos dos personagens fascinantes que a obra traz e o filme mostra pouco. Algo que os showrunners de Game of Thrones foram bem sucedidos ao adaptarem o primeiro livro da saga de George R. R. Martin. Talvez, dentro de 20 ou 30 anos, a HBO adapte todos os livros de DUNA em várias temporadas, sem deixar faltar uma grama de especiaria. Quem viver, verá.    


Rebecca Ferguson como Jessica Atreides.
A riqueza étnica/cultural da obra é um deleite á parte.  

Duna: Parte 2 tem quase 3 horas de duração, mas são tantos personagens, histórias e narrativas lineares a serem exploradas que bem poderia ter 4 horas, mas infelizmente não tem. E não adianta vir com #VilleneuveCut nas redes sociais, pois ele é um anti-Zack Snyder. Como ele mesmo diz: “Tenho uma crença fervorosa sobre que se não está no filme, está morto. Eu mato cenas que amo, e isso é muito doloroso. Às vezes eu removo cenas e digo ‘Não acredito que estou tirando isso fora’. Me sinto com um samurai cortando sua barriga. É doloroso, então não dá para voltar atrás e fazer como Frankenstein e tentar reanimar coisas que matei. Quando está morto, está morto e está morto por um motivo.  Mas sim, é um projeto que dói, mas é o meu trabalho. O filme prevalece. Eu acho que sou bastante severo na ilha de edição. Não fico pensando no meu ego, eu fico pensando no filme.”

Para não ficar me repetindo sobre a questão do homem-branco-hétero-cis-salvador -do-universo que ainda é padrão no cinema hollywoodiano, fica o link da minha crítica da primeira parte do filme. 


Dave Bautista como o cruel e covarde Rabban Harkonnen prova que é muyito mais que o alien divertido de Guardiões da Galáxia.


No filme anterior, a preocupação principal de Villeneuve era garantir a criação de um futuro extremamente distante de forma verossímel e realista da mesma forma que Nolan fez com sua trilogia de Batman. Isso e mais a introdução de um punhado de personagens importantes para a trama, suas histórias e interações. Nesse novo filme, apesar de introdução de mais alguns personagens, a maioria deles e sua motivações já estão estabelecidas e isso deixa o campo livre para avançar mais com a história propriamente dita. Isso resulta em um filme mais dinâmico, apesar de algumas cenas um tanto apressadas (certamente arquivadas na ilha de edição), como a sequência de inspiração bíblica, onde Paul deve passar dias sozinho no deserto para aprender a sobreviver como um fremen. Mal vemos isso acontecer.   

Simplificando ao máximo (afinal, a fonte é um livro de 900 páginas), os personagens de Chalamet e Butler são o herói e o vilão jogados um contra o outro, enquanto o destino do universo (mais ou menos) pende na balança.


Austin Butler, literalmente há anos-luz de sua performance como Elvis Presley.
Sobre Butler ser adepto do Método, Villeneuve disse: “Quando a câmera estava ligada, era como se ele estivesse possuído. Quando estava desligada, ele ainda era 25, 30% Feyd. O suficiente para estar presente e focado mas longe o bastante do personagem para não matar ninguém no set.” 

Você precisa mais de uma mão para contar todos os grandes atores e atrizes no filme (tem 7 indicados ao Oscar e dois ganhadores), mas comecemos com Timothée Chalamet, que interpreta a figura messiânica de Paul Atreides, cuja dúvida de se ele é ou não é o messias é umas das espinhas dorsais do filme. Ele a belíssima  Zendaya estão muito bem e a atriz, que no primeiro era mero chamariz de adolescentes pelo breve tempo que teve no final da primeira parte, agora participa ativamente da trama e inclusive ganha direito a fechar o filme. Chalamet entra em modo Lawrence da Arábia e assim como esse personagem real da Primeira Grande Guerra junto aos árabes, abraça a nova cultura com sangue e especiaria nos olhos.   Já Javier Bardem, que interpreta Stilgar e que parecia bem mais ameaçador e sério na primeira parte, tem uma mudança de tom que o torna um personagem mais prosaico, pois ele passa metade das suas cenas a referendar Paul Atreides como o Messias de uma forma que beira o caricato, mas só não cai nisso por conta do bom ator que ele é.   

As novas presenças de Christopher Walken, Florence Pugh, Léa Seydoux e Austin Butler abrilhantam o filme e nos deixam com aquele gostinho de Game of Thrones na boca. Felizmente Austin tem cenas mais extensas e brutais como Feyd-Rautha e faz qualquer um esquecer sua relação com Elvis Presley. 

 

Feyd-Rautha (Butler), prestes a entrar em uma das cenas visulamente mais impactantes do filme. 

Hans Zimmer retorna novamente compondo uma trilha étnica em sintonia com o clima espetacular e fantástico do filme. E apesar do estúdio dele terceirizar muitas composições para outros músicos que ele assina como suas, acredito que, por ter deixado de trabalhar com Nolan em TENET e Oppenheimer por conta de sua paixão pela obra de Frank Herbert, ele realmente tenha se dedicado pessoalmente na composição e arranjo de mais uma grande trilha digna de Oscar.

Em termos de produção o filme parece ter contratado Deadpool como coach para ficar gritando para todos: “Esforço Máximo!” Tudo é espetacular. O elenco, a fotografia, a direção de arte, os figurinos, o desenho de produção das naves e adereços, os efeitos especiais. E com uma direção com uma preocupação estética com os enquadramentos e focada na melhor caracterização possível dos personagens com o pouco tempo de tela que a maioria tem. Scorsese certamente colocaria o selo: “Isso é Cinema!” em Duna. O dia em que a Marvel aprender que tem que recomeçar a caprichar mais nas suas produções como faziam nos bons tempos dos irmãos Russo, a Marvel volta ser cinema de fato. 


Florence Pugh como a Princesa Irulan tem bem mais a dizer e fazer na versão de Villeneuve do que Virginia Madsen na agora curta versão de Lynch.

Um dos pontos altos dessa magnífica produção de Villeneuve é o uso da estética fascista na arena onde Feyd-Rautha (Butler) passa por seu ritual de maturidade. O uso de um filtro preto e branco sob o sol negro do planeta Gied Prime  é de um tom que passa bem a mensagem de um sistema opressor onde só resta servidão, desespero e morte sob a tirania da Casa Harkonnen. 

Sendo a terceira adaptação de uma das maiores obras de ficção científica do século XX, Villeneuve consegue ter mais tempo de tela com suas 5 horas do que as quase 3 horas de David Lynch (que ainda assim, é uma grande obra) e uma qualidade anos-luz superior a mais fiel (mas esquecível e visualmente patética minissérie de TV). Villeneuve prova, mais uma vez que é um dos melhores diretores vivos e para sorte de nerds como eu (que leu os 6 livros as saga escritos por Herbert), é um grande entusiasta do cinema fantástico.  

Esse é um senhor universo que Villeneuve construiu. E a paciência que ele tem em montar sua narrativa compensa muito.


O roteiro decuplica a importância de Zendaya na segunda parte da trilogia.

Uma crítica americana levantou uma questão interessante sobre os fatos de muitas obras de ficção científica como Duna e Star Wars mostrarem um futuro altamente tecnológico tendo como sistema político sistemas monárquicos/feudais. Como sou um pouco estudioso do assunto e um pouco escritor do gênero fantástico, vou tentar falar sobre a origem disso junto com uma hipótese de como isso pode vir realmente a ser o futuro da humanidade se sobrevivermos a nós mesmos.

Bem, a origem claramente vem de contos e romances de fantasia, 90% baseados em um passado medieval/monárquico/feudal. Como esse tipo de narrativa fantasiosa existe há muitos séculos e a ficção científica há 206 anos (com Frankenstein de Mary Shelley, de 1818), é natural que muitos escritores se vejam influenciados por esse gênero (em especial por O Senhor do Anéis) e tentados pela ideia de misturar tecnologia moderna com um suposto mundo aventuresco e falsamente romântico como o medieval. Hoje em dia o steampunk é uma reescrita retrô dessas narrativas de FC do século XX, pois colocam a alta tecnologia não na Idade Média, mas na Revolução Industrial do século XIX. Obras como Duna mantém o tom destemido desse tipo de universo medieval, mas sendo mais maduro, evita as armadilhas românticas/ingênuas que muitos filmes caem ao retratar um futuro monárquico.


Descendente dos antigos bilionários da Terra? O Barão Harkonnen de Stellan Skarsgard representa bem uma elite parasita, ditatorial, cruel e genocida. Passada, presente e futura.


Já em relação a como partimos de uma Terra do século XXI pseudo democrática dominada por conglomerados trasnacionais, bilionários, teocracias e umas poucas ditaduras ditas comunistas (mas que são autocracias ditatoriais familiares) para um futuro onde impera a monarquia feudal, os 6 livros de Duna não elucidam isso até onde lembro, mas se pensarmos no mundo atual e em como alguns bilionários querem colonizar outros planetas e que muitos desses bilionários parecem apoiar movimentos de extrema-direita que excitam a mente de monarquistas, fanáticos religiosos e puxa-sacos de poderosos, temos aí um possível futuro onde colônias planetárias venham a ser financiadas e fundadas por bilionários/trilionários. Sendo a maioria dessa escória, pessoas arrogantes e com desejo infinito de poder, fica claro que essas futuras colônias, ao terem seus laços com a Terra bastante limitados ou cortados, ficariam a mercê das regras do bilionário que fundou a colônia. A partir daí, fica fácil imaginar que eles poderiam se espalhar por diversos planetas e em cada um estabelecer um reinado ditatorial neoliberal. Em centenas ou milhares de anos essas dinastias de bilionários ficariam mais ricas com a exploração de planetas e sistemas solares e cada qual teria seu domínio feudal planetário onde fundariam Casas reais como as de Duna, mas com predecessores que mal lembrariam dos antepassados que começaram seus reinados com redes sociais, monetização de fake news e carros elétricos.    



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