AS AVENTURAS DE PI (Life of Pi, EUA/Taiwan, 2012) - Crítica
Sinopse
Pi, único sobrevivente humano de um naufrágio, tem que dividir suas chances de sobrevivência com um tigre faminto a bordo de um bote.
O diretor
Ang Lee é um diretor de origem taiwanesa graduado em cinema nos EUA. Retornou para sua terra natal onde realizou longas mundialmente premiados, como BANQUETE DE CASAMENTO (1993) e em poucos anos voltava aos EUA pela porta da frente realizando o sucesso de público e crítica RAZÃO E SENSIBILIDADE (1995). Versátil, Lee parece se interessar por todo tipo de temática, mas nunca deixando de aprofundar as questões psicológicas de seus personagens. O fabuloso O TIGRE E O DRAGÃO (2000) e o subestimado HULK (2003) são provas disso. É o único diretor não-caucasiano a receber um Oscar. Na verdade, dois: por O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN (2005) e por AS AVENTURAS DE PI.
O filme
Ganhador de 4 Oscar, esta fabulosa fantasia de Ang Lee baseada na obra homônima de Yann Martel, que por sua vez “inspirou-se” no livro MAX E OS FELINOS de Moacyr Scliar (o próprio escritor fala sobre o caso aqui) fala de perda, sobrevivência e busca, um tanto forçadamente, um sentido religioso para a vida.
Apesar de possuir o nome que representa uma constante matemática, o personagem de PI não parece buscar a lógica da ciência, mas sim a inconstância de várias religiões. Por viver em uma família indiana religiosamente liberal (coisa rara) ele pode se dar ao luxo de acreditar e abraçar várias delas na tentativa de construir uma mitologia pessoal livre de dogmas restritivos demais e que faça algum sentido em sua vida. Luxo típico da modernidade laica ocidental.
A porca torce o rabo quando o protagonista, já adulto, afirma ao escritor interessado em contar sua aventura em alto-mar, que ele irá provar a existência de Deus ao final de sua narrativa. Uma afirmação um tanto temerária para os céticos de plantão, como eu. Mas enfim, Ang Lee sabe o que faz e o mínimo que se pode esperar deste filme são uma direção sensível, belos enquadramentos, uma trilha sonora inspirada e sofisticados efeitos especiais a serviço da narrativa (os 4 Oscar).
E durante boa parte do filme somos carregados pelo vasto oceano de realidade e fantasia do narrador e a relação homem/fera em condições tão severas acaba por se tornar tão verossímel quanto possível. Mas eis que todo o exagero narrativo e até mesmo o visual kitsch em determinados trechos da jornada (como a cena da baleia) afunda quando PI, recém chegado de sua odisséia marítima e em um leito de hospital, revela uma história completamente diferente aos agentes do seguro do barco naufragado. Nela não há tigre, não há uma ilha mágica repleta de suricatos ou a revelação do sentido da vida: apenas a crua e terrível verdade.
E então o filme conclui um tanto desastrosamente na sua intenção de provar a existência de Deus. PI pergunta ao escritor em qual história o escritor preferia acreditar: A do tigre, com toda a sua beleza e mistério; ou aquela onde uma tragédia tão terrível acontecera que o próprio Pi tentara negá-la a si mesmo?
O escritor responde que prefere a primeira. E Pi responde: “Assim é com Deus.”
Bem, se essa era a prova prometida lá no início do filme, me parece que o roteirista e o diretor querem nos fazer crer que é melhor acreditar em uma ilusão que pareça dar sentido as coisas do que encarar a realidade e a verdade da vida como ela realmente é e amadurecer a partir de nossas alegrias e sofrimentos reais.
Um discurso mais maduro e realista a respeito do sentido da vida é dado em INDOMÁVEL SONHADORA. E por uma menina de 7 anos.
Mas acredito que esse detalhe não vai incomodar ao público acostumado a escutar horríveis clichês de filmes americanos e na verdade, a maioria dele sairá do filme emocionado e com a certeza de ter assistido uma bela fábula de fé e sobrevivência .
Trailer
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