HEBE: A ESTRELA DO BRASIL (2019) - Crítica

Quando vi rapidamente esse poster pela primeira vez, eu achei que era a Lady Gaga.


Como falar de política com maestria

Confesso que fui ver Hebe: A Estrela do Brasil sem muita expectativa.  Cinebiografias são complicadas e o resultado muitas vezes são filmes um tanto neutros, sem muita garra.  Kardec é um mau exemplo disso. Eu também mal conhecia a Hebe Camargo e poucas vezes vi trechos do programa de auditório dela. Minha mãe, assim como muita gente que cresceu vendo ela, adorava.  Mas como eu dizia, cinebiografias são complexas, mas ao longo de décadas assistindo muitas, descobri que as mais bem sucedidas não são aquelas que vão do nascimento à morte, tentando mostrar como a pessoa penou na vida para enfim ter o sucesso merecido (às vezes seguido de decadência). Não, as mais interessantes parecem ser aquelas que optam por cortar uma fatia do tempo da vida da pessoa retratada. Escolher aquele momento particular na vida do político ou celebridade onde se pode revelar o máximo dela e de sua época.

Foi o que decidiu a roteirista Carolina Kotscho. Imbuída de um grande interesse pela persona da Hebe, pela história do Brasil e pelo momento político atual, Kotscho nos dá a Hebe Camargo (Andrea Beltrão) pública que simpatiza com minorias, que entra em conflito com a censura, que enfrenta políticos e a Hebe privada, que tem problemas com Lélio (Marco Ricca), o marido imaturo e abusivo e dificuldades em entender a homossexualidade do filho Marcello (Caio Horowicz). Contraditória e ingênua como muitos de nós (acusava corruptos e apoiava Paulo Maluf), Hebe é uma personagem que você pode amar e detestar em diferentes momentos e esse é o grande trunfo do filme, nos apresentar uma celebridade despida.  E Kostscho acerta em cheio ao escolher a época, que acredito ser entre 1985 e 1988, mostrando o retrato de um Brasil que queria se renovar, que queria se expandir, mas que ainda era dominado por pessoas atrasadas e preconceituosas. Ainda bem que não é mais assim.


Andrea Beltrão entrega uma performance vigorosa e apaixonante da apresentadora. 


O filme deve atrair muitas senhoras conservadoras que podem ficar chocadas ao descobrirem que o filme encampa muitas das discussões que dominam as redes sociais nos últimos tempos.  Ao mesmo tempo, muitas senhoras politizadas que concordavam com a visão de mundo  libertadora da falecida apresentadora, podem apreciar melhor o direcionamento do filme.

Mas já que falei de direção, Maurício Farias, marido de Beltrão,  é um realizador experiente,  com vários longas e muitas novelas e minisséries. Dele só vi o fraco O Coronel e o Lobisomem (2005) e fiquei feliz ao ver que sua direção é bem planejada, tem enquadramentos frescos, diferente do que se espera de um diretor engessado no padrão Globo de televisão. A ideia de exagerar nos planos de costas da protagonista emulam melhor a presença da verdadeira Hebe e acentuam o clima de bastidores que o diretor quis imprimir ao filme. Andrea Beltrão, antigo crush da época de Armação Ilimitada (1985 – 1988), está espetacular e embora lembre mais Lady Gaga do que Hebe Camargo no poster do filme, Beltrão é bem sucedida em criar sua Hebe particular. Fãs perceberão traços da Hebe aqui e ali, especialmente na exuberância e no comportamento mãezona que ela tinha com seu público e convidados.


Hebe levava aristas homossexuais e celebridades transexuais ao seu programa em uma época em que o Brasil era escancaradamente ainda mais homofóbico do que hoje.
Nesta comparação entre filme e vida real, sabemos que filmes costumam ter versões mais glamurizadas de personagens reais, mas no caso da transexual Roberta Close (que posou duas vezes para a Playboy), a versão real é muito superior a escalada pela produção de elenco.   


Alguns talvez critiquem a excessiva politização do filme, mas essas pessoas talvez não estejam atentas ao que está acontecendo no Brasil e não percebem que os ataques a artistas como Fernanda Montenegro por funcionários públicos e censura de filmes como a biografia de Chico Buarque pelo governo estão se tornando cada vez mais comuns.  Sem falar no aumento de feminicídios... Mas já passou da hora desses críticos e público descobrirem que tudo nesse  mundo é política, até mesmo uma apresentadora de programa de auditório. 




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