LET’S DANCE - Versão 20.10
Meu nome é Bonde. Jaime Bonde. Parecido com James Bond, não? Se sou parecido com ele? Bem, mais ou menos. Mas não era sobre isso que queria falar. Queria falar sobre algo que aconteceu comigo há cerca de duas semanas atrás...
Tudo começou quando eu estava em meu quarto escutando o último CD do NX-MEN e faltou luz. Ficou tudo no maior breu. Felizmente eu tinha certa facilidade para enxergar no escuro com a minha lanterninha de bolso. Abri a janela do quarto e só vi trevas. Deduzi que devia ser noite. Olhei para as estrelas. Elas não estavam lá! “Meu Deus,” pensei, “faltou luz no céu também!” Olhei mais uma vez, pensando tratar-se de minha imaginação, mas continuei sem vê-las. O que teria acontecido com as estrelas?
Escutei um trovão distante. É claro, estava nublado. Por isso não vira estrela alguma. Ri de minha estupidez e fui deitar. A chuva começava. Relâmpagos e trovões se seguiram. A chuva virara tempestade e não parecia nada contente. Os trovões ribombavam em assustadora seqüência e os flashes dos relâmpagos não me deixavam pregar o olho. Paranóico como sou, comecei a pensar em 2012 e coisas do tipo. Mas é claro que não era isso. Era algo pior.
O último relâmpago caiu e o derradeiro trovão soou. Um estranho silêncio abateu-se sobre todo o mundo, ou pelo menos, até onde podia escutar. Levantei-me e abri novamente a janela. A chuva havia cessado e as nuvens afastavam-se em busca de melhores salários e adicional noturno. As estrelas voltaram e consegui ver a rua. Repleta de crateras por todos os lados. E não eram culpa da prefeitura.
Eram crateras feitas pelos raios. Dezenas. Mas dentre todas, uma em particular, destacava-se por emanar uma peculiar luz fantasmagórica. E foi dessa cratera que emanava uma peculiar luz fantasmagórica, que ele saiu. Uma figura alta e esguia era tudo o que eu conseguia divisar naquela escuridão. A luz ainda não voltara e nem voltaria. A figura ficou lá, parada na beira da cratera.
Passados alguns minutos, passou a observar o terreno ao seu redor. Foi aí que ela me viu. Um flash explodiu em meus olhos e fiquei momentaneamente cego. Apavorado, consegui fechar minha janela.
Saí tropeçando nos móveis para fazer o mesmo com o resto das entradas. Quando dei a última volta na fechadura, minha visão já estava quase recuperada. Corri para o meu quarto e me tranquei lá.
Sentei na mina cama assustado e vi a porta de meu armário abrir-se e dele sair o David Bowie. O choque de ver um dos ícones da música pop sair de dentro do armário às três da madrugada e o fedor que ele exalava foram demais para mim. Apaguei.
Despertei de um sonho mucho loco apenas para descobrir que ele era uma realidade mais louca ainda. Estava deitado em minha cama. O ar estava empestado pelo odor que David Bowie, sentado ao pé da cama, exalava. Pensei em desmaiar novamente, mas não era sempre que o David Bowie aparecia lá em casa, por isso achei que devia aproveitar. Ele me encarava. Para cortar o silêncio, disse:
— E aí, Dave, como é que vão as vendas do último CD?
Ele pareceu não entender. Me dei conta, então, de que ele era um cidadão de sua majestade e por isso mesmo, não deveria saber o português. Repeti a pergunta em inglês e ele não respondeu. Talvez fosse o meu sotaque. Súbito, me veio à mente de que aquela figura andrógina e fedorenta poderia não ser o verdadeiro David Bowie, mas um clone criado por alguma conspiratória sociedade secreta formada por velhos vestindo ternos Armani. Afinal ele caíra na Terra junto com um relâmpago, não? O Bowie que eu conhecia de clips e reportagens não fazia isso, quer dizer, pelos menos não em público. Tentei novamente:
— Who are you? Where you come from? Where you’re going? Why did you stop? Did you stop for what?
— Ziggy Stardust. De Marte. Para Marte, após dar término a minha missão — respondeu.
Ele falava português. E tinha uma bela voz, poderia até ser cantor. Pensei em agenciá-lo, mas desisti da idéia. Quebrado o gelo, coloquei umas pedras em nossos uísques e começamos a bater um papo amigável sobre a guerra interplanetária que estava ocorrendo entre Marte e Vênus. Fiquei sabendo que a Terra estava bem no meio e que ia sobrar para nós, terráqueos. Dois agentes venusianos estavam em nosso planeta para destruí-lo, pois ele atrapalhava a mira dos venusianos. Com o nosso planeta fora do caminho, eles poderiam acertar Marte mais facilmente. E Ziggy estava aqui para impedir que esse hediondo plano se concretizasse.
— Senão, o que seria de Marte? — comentou.
E eu pensando em teorias conspiratórias de sociedades secretas. Se eu ganhasse um centavo para cada história maluca que imagino... já teria uns 4 centavos.
Bem, como não poderia deixar de ser sempre que a Terra está em perigo, ofereci-me para ajudá-lo em sua busca pelos vilões. Era sábado e eu poderia estar de volta no domingo para assistir o Faustão. Ele aceitou e, visivelmente emocionado, tentou me abraçar. Me esquivei e ele perguntou o motivo. Com muito tato, expliquei-lhe que ele estava fedendo.
— Ah, isso?! Sabe, é que a água de Marte acabou já faz milhões de anos.
Se o problema era esse, então um banho resolveria. Indiquei-lhe o banheiro. Ele entrou e durante duas horas escutei a descarga do vaso funcionando. Devia ter-lhe mostrado o chuveiro. O jeito foi gastar duas latas de desodorante.
O sol nascia. Minha mãe iria acordar logo. Mas antes de sairmos, perguntei como entrar em minha casa com tudo trancado. Sem esperar resposta, arrisquei:
— Teletransporte, não é?!
Ele riu, dizendo que eu assistia filmes de ficção científica demais. Ele simplesmente atravessara a parede. Desculpei-me pela minha ignorância e deixamos a casa. Ele pela parede, eu pela porta.
Lá fora, apontou em direção ao centro da cidade, explicando que um de seus alvos estava lá. “Em minha própria cidade”, pensei.
— É incrível como há coisas ocorrendo à nossa volta e nem nos damos conta disso — filosofei para Ziggy. Ele me olhou com uma cara estranha.
— Vou pegar o carro.
— Por quê?
— Para irmos à cidade — respondi, achando-o estúpido.
— Não será necessário e, além disso, não gosto de pagar os flanelinhas. Vamos a pé.
— Como? — perguntei, indo atrás dele.
— Assim — argumentou, apontando para nossos pés que andavam em direção ao centro.
— Mas vamos levar horas e... e...
Olhei em volta, boquiaberto. Estávamos no centro. Perguntei como havia feito aquilo. Ele me explicou e me ensinou como fazê-lo. Infelizmente acabei esquecendo. Questionei como acharíamos o venusiano. “Procurando”, foi a sua resposta. Fiquei surpreendido com a sabedoria marciana depois dessa.
— Como vamos identificá-lo? — indaguei. — Quero dizer, ele deve ter assumido forma humana, não? É o que todo extraterrestre vivendo na Terra costuma fazer.
— A morfologia venusiana difere em poucos aspectos da dos humanos. Eles são marrons, mas devido a atmosfera da Terra, em alguns anos eles tornam-se brancos como uma folha de papel. Além disso, costumam chamar muita atenção pela sua excentricidade e expressão corporal — respondeu. — Mas, por via das dúvidas, trouxe este rastreador.
O pequeno aparelho sinalizou. O rastreador indicou-nos a direção a seguir, deu-nos o endereço, telefone e ainda comunicou se a entidade procurada estava ou não em sua residência. Embora prodigioso, o rastreador não tinha memória para números telefônicos e nem alarme musical, o que demonstrava o quão primitiva ainda era a tecnologia marciana.
Bem, no caso em questão, o etê estava em casa. Segundo explicou-me o marciano, eles estavam entre nós há muitos anos, pois as bombas tinham de ser construídas aqui, já que eram grandes demais para serem transportadas sem chamar a atenção da alfândega interplanetária. O último carregamento de peças havia chegado e eles estavam, finalmente, a um passo de acionar a bomba.
Chegamos ao apê da criatura. Ziggy atravessou a porta, deixando-me do lado de fora. Escutei gritos familiares, passos de dança e outro grito, desta vez não tão familiar. Em seguida, Stardust atravessava a porta dizendo que agora era só desmontar a bomba que estava em um galpão nos arredores da cidade. Chegamos lá “caminhando”. Desta vez Ziggy foi educado e abriu a porta para mim. A coisa era enorme. Parecia uma garrafa de refrigerante sem a marca. Perguntei como ele iria desmontar aquela monstruosidade. Ele disse para ficar olhando. Fiquei. Ele ajoelhou-se na base da garrafa, digo, da bomba e tirou uma pecinha. Colocou-a em seu cinto, caminhou tensa e lentamente em minha direção e berrou apavorado:
— CORRE!!
Saí correndo enquanto escutava aquela coisa atrás de nós ranger e desabar por todo o galpão, lançando pó e pedaços de metais desconhecidos.
— Agora, vamos até o lugar chamado Neverland acabar com a que falta — disse Ziggy, ajudando-me a levantar.
Então a Terra do Nunca existia. Quem seria o venusiano? Peter Pan ou o Capitão Gancho?
Como fomos “caminhando”, tivemos tempo para uma breve conversa. Quis saber como ninguém parecia reparar nele, sendo ele tão parecido com o David Bowie. Explicou-me que usava um traje de camuflagem com tecnologia SVPMV, o manjadíssimo Só Você Pode Me Ver. Fiquei embasbacado com a criatividade e originalidade dos homens de Marte. Questionei também a respeito do primeiro venusiano, o que havia acontecido dentro do apartamento. Stardust respondeu-me evasivamente.
Nisso, chegamos ao nosso destino, que estava longe de parecer a ilha que pensei que seria. Estávamos parados em frente ao portão de uma gigantesca mansão. Ziggy apertou o interfone. Uma voz eletrônica falou:
— Quem é?
— Diga ao seu mestre que a grama de Marte é sempre mais vermelha! — respondeu-lhe Ziggy, enigmático.
— Aguarde um momento.
Não esperamos. Ziggy atravessou o portão e abriu-o para mim. Na entrada da grande mansão, um grandalhão de óculos escuros segurando um dobermann pela coleira nos aguardava. Deduzi que já deviam estar a nossa espera. O homem conduziu-nos por longos e intermináveis corredores. Quando eu já começava a achar que ele pretendia nos matar de cansaço, parou em frente a uma grande porta.
Abriu-a, revelando-nos um enorme salão. Lá dentro, a garrafa, digo a bomba e Michael Jackson, digo, o venusiano. Michael Jackson era o venusiano! E ele não estava morto! O que eu já suspeitava, diga-se de passagem. Os dois seres extra-planetários trocaram olhares. Eu não troquei, só olhei. O silêncio dominou o ambiente silenciosamente.
— É o fim da linha, Billie Jean — sentenciou Stardust, fazendo o silêncio abandonar o local.
— Não, não é! — discordou o venusiano, soltando um gritinho, girando 360º na ponta dos pés e desaparecendo no ar.
— Ele ficou invisível! É o velho truque Ninguém Pode Me Ver, Nem Você. Tome cuidado! —
alertou-me o marciano.
O aviso veio um pouco tarde, pois senti meu estômago ir de encontro à minha espinha com o que acho que deve ter sido um chute. Caído, vi Ziggy retirar um pequeno disco de seu cinto e jogá-lo em direção ao interruptor da luz, explodindo-o. A luz se fora, porém, dois focos de luz resistiam às trevas. Era onde Billie Jean estava! O local em que pisava ficava iluminado, apesar de sua invisibilidade. Ziggy gritou “Let’s Dance” e saltou em cima do inimigo, que parecia dançar frenéticamente, conforme pude notar pelos focos luminosos no chão. Não demorou muito e escutei um AH! típico de quem foi mortalmente ferido.
— AH! Fui mortalmente ferido, mas vou acionar a bomba... antes de... ah... morrer... CLIC!
— Lá se vai o meu domingo... — disse, desanimado com a perspectiva de perder o Faustão.
— Rápido, Bonde, aqui! — falou Ziggy, olhando-me com seus olhos luminosos.
Apontou-os em direção a um painel que havia em um dos lados da bomba, iluminando-o. A grande garrafa de refrigerante iria detonar em trinta minutos segundo os mostradores. Durante vinte e nove minutos tentamos desligá-la sem êxito. Foi então que vi um pequeno aviso em letras miúdas que dizia: Para desligar, aperte o botão azul paralelo à direita do botão amarelo tranversal ao botão preto abaixo do botão vermelho à esquerda do botão rosa pink. Como só havia um botão azul, deduzi que aquela longa e confusa sentença não passava de uma artimanha venusiana para nos atrasar. Desliguei a bomba no último segundo. Até parece mentira. Ziggy cumprimentou-me pela minha sagacidade.
Eu, um mero terráqueo tupininquim, acabara de salvar dois mundos.
Depois de desmontada a bomba, saímos em direção ao pátio da mansão, onde uma nave aguardava Ziggy. Nos despedimos com um terno abraço. Dise a Ziggy que o desodorante dele já estava vencido e ele colocou o dedo indicador na minha testa e disse:
— Seja bonzinho — e saiu rindo.
Fiquei observando a nave ascender aos céus. Chorava. A platéia do filme também. Me dei conta, então, de que estava na terra do tio Sam sem visto de permanência, o que era muito legal, já que eles nunca me dariam um mesmo.
No fim das contas acabei arranjando um emprego numa lanchonete brasileira e já estava começando a gostar do programa da Oprah quando o Departamento de Imigração deu uma batida e me deportou de volta para o Brasil.
FIM
Nota do Autor: Os fatos aqui narrados não ocorreram em nossa dimensão, mas sim em outra, paralela à nossa. Essa narrativa foi adquirida quando fiz uma viagem interdimensional com José Sarney. Uma outra hora eu conto como é que foi...
Outubro, 1989
Sobre o conto
Este conto escrevi para um concurso da Rádio Cidade e BSA Informática, que estavam patrocinando um Concurso de Contos Fantásticos por conta do filme AS AVENTURAS DO BARÃO DE MUNCHAUSEN, de Terry Gilliam. O prêmio era um computador, um curso de informática e o conto lido na rádio por um dos locutores. Em 1989 não existia o Windows e um PC era luxo para poucos. Decidido a ganhar, fiz um conto fantástico de humor, pois afinal, todo mundo gosta de rir. E como era para uma rádio, decidi colocar dois ícones do rock/pop mundial para ganhar a simpatia dos jurados da rádio. Deu certo e foi meu primeiro reconhecimento como escritor, que mesmo não sendo um grande prêmio, me encheu de esperanças de que eu realmente tinha algum talento para a coisa ;-)
Comentários
Fiquei entro "o rindo e o passada" kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk